Investigadores da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) mostraram, de forma inédita, uma associação entre alterações no metabolismo da dopamina – conhecida como “a molécula do prazer” – a nível cerebral e a gravidade da dependência de substâncias em homens a cumprir penas de prisão por crimes violentos. Os resultados sublinham a elevada impulsividade e a falta de autocontrolo destes indivíduos.

Esta descoberta, publicada na revista científica BMC Psychiatry, abre “novas perspetivas” para a intervenção farmacológica em pessoas com dependência de drogas através da interferência no metabolismo da dopamina, catalisado pela enzima COMT (catecol-O-metiltransferase). No cérebro humano, em particular no córtex pré-frontal, esta enzima desempenha um papel essencial no equilíbrio dos níveis de dopamina.

“Nós demonstramos, pela primeira vez, que a atividade da enzima COMT está relacionada com a gravidade da dependência de substâncias, bem como com a falta de autocontrolo e de planeamento”, explica a equipa de investigação da FMUP, liderada por Margarida Figueiredo Braga e Maria Augusta Vieira-Coelho.

O estudo, que faz parte de um projeto mais amplo com o objetivo de identificar fatores preditivos de agressividade em presos, incidiu sobre 46 indivíduos de sexo masculino que se encontravam encarcerados numa instituição penitenciária portuguesa de média/alta segurança do norte de Portugal pela prática de crimes violentos, como homicídio, tentativa de homicídio ou agressões físicas. A maioria (59%) apresentava abuso de substâncias. Todos os presos com este problema foram referenciados para consulta de Psiquiatria.

Os participantes, com uma mediana de idades de 36 anos e seis anos de escolaridade, realizaram uma bateria de testes psicológicos. Através de análises feitas ao sangue (eritrócitos e ADN), determinou-se a atividade e genótipos COMT, que permitem avaliar o impacto no metabolismo da dopamina.

Os resultados deste trabalho mostram que, “nos indivíduos com problemas de abuso de substâncias, a atividade da COMT está relacionada com a capacidade de autocontrolo e de planeamento”.

Estes dados vêm corroborar outros estudos, a nível internacional, que correlacionam os níveis desta enzima com os níveis de impulsividade e que associam o uso de inibidores da COMT à redução de comportamentos aditivos e impulsivos.

Já a associação entre a atividade da enzima COMT e a gravidade da dependência de substâncias não havia ainda sido reportada anteriormente. Esta ligação, agora cientificamente demonstrada pela equipa portuguesa, vem reforçar o conhecimento sobre o papel das vias da dopamina nesta doença. De facto, estão descritos diferentes mecanismos cerebrais relacionados com a “cascata de recompensa” na qual a dopamina desempenha um papel central.

Esta investigação foi desenvolvida por Jacinto Azevedo, Cláudia Carvalho, Maria Paula Serrão, Rui Coelho, Maria Augusta Vieira-Coelho e Margarida Figueiredo-Braga.