Por que razão a mortalidade por cancro gástrico em Portugal é tão elevada, e está a aumentar, e a mortalidade na Coreia do Sul, apesar de o número de casos ser dos mais altos do mundo, é muito mais baixa e está a diminuir? Para responder a esta pergunta, uma equipa liderada pela investigadora Carla Oliveira, do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S), avaliou duas coortes (uma de cada país) a nível molecular e a nível de abordagem terapêutica e cirúrgica e concluiu que o rastreio precoce e as opções terapêuticas na Coreia do Sul numa fase inicial do tumor fazem a diferença. As conclusões deste trabalho foram tema de capa da edição de março da prestigiada revista científica International Journal of Cancer.

Perante os números conhecidos, e recorrendo a amostras de tumores gástricos de doentes não sujeitos a quimioterapia, 170 do Centro Hospitalar Universitário de S. João e 367 da Coreia do Sul, “começámos por tentar perceber se existia alguma diferença a nível molecular que justificasse a maior agressividade dos tumores de doentes portugueses e a alta mortalidade”, explica Carla Pereira, primeira autora do artigo.

“Verificámos que nas amostras de portugueses que tinham a caderina-E alterada e a proteína CD44v6 muito elevada, os doentes tinham pior sobrevida e isso revelou-se particularmente evidente nos estadios I e II (fases iniciais da doença), causando taxas de mortalidade mais elevadas do que as esperadas nestes estadios iniciais”, acrescenta Gabriela Almeida, coautora do estudo.

Os tumores com estas características (12,4 por cento em Portugal e 11,9 por cento na Coreia do Sul) revelaram-se particularmente agressivos em comparação com todos os outros, invadindo mais profundamente a parede gástrica e permeando mais frequentemente a vasculatura e os nervos.

Ao analisar as amostras da Coreia do Sul, a equipa de investigadores verificou que, a nível molecular, estes tumores eram tão agressivos como os portugueses, mas a nível de sobrevida a diferença era abismal: os doentes da Coreia do Sul com cancros em estadios iniciais e caderina-E alterada e a proteína CD44v6 muito elevada, quase não morrem.

O estudo mereceu honras de capa na mais recente edição do International Journal of Cancer. (Imagem: DR)

A importância de atuar precocemente

“Na Coreia do Sul, existe um rastreio de cancro do estômago que permite detetar muitos casos precocemente. Em média, os estadios precoces na Coreia do Sul são detetados 10 anos antes dos portugueses”, explica Carla Oliveira, responsável pela coordenação do estudo.

Ainda segundo a líder do grupo «Expression Regulation in Cancer» do i3S, “os coreanos são muito mais agressivos nas cirurgias do que os portugueses, mesmo nos casos de estadios iniciais. De facto, os doentes coreanos incluídos neste estudo foram sujeitos a remoção de um número maior de nódulos linfáticos do que os doentes portugueses, que estariam possivelmente metastizados, diminuindo os riscos associados à agressividade dos tumores com expressão anormal de caderina-E e expressão muito alta de CD44v6. Em Portugal fazem-se cirurgias mais conservadoras em estadios precoces”.

Este trabalho, acrescenta Carla Oliveira, mostra também “pela primeira vez, a utilidade clínica de se fazer a caracterização molecular dos cancros gástrico, ao diagnóstico, para avaliar a expressão de Caderina-E e CD44v6, pois permite prever a agressividade e a sobrevivência de doentes submetidos a linfadenectomias mais conservadoras e, eventualmente, redefinir o tratamento cirúrgico em grupos de doentes com cancros precoces particularmente agressivos”.

Esta investigação do i3S contou com a colaboração da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), Centro Hospitalar Universitário de São João, Instituto Politécnico de Coimbra, Universidade de Uppsala, na Suécia, Hospital Universitário de Seoul, Faculdade de Medicina da Universidade Nacional de Seul, Instituto de Investigação em Cancro de Seoul. O trabalho foi, entretanto, apresentado em comunicações orais nos Estados Unidos, tanto no Congresso Internacional de Cancro Gástrico, em Houston, como no ASCO-Gastrointestinal Cancers Symposium, em S. Francisco.