Sara Teles tem 33 anos, é estudante do Mestrado em Ecologia e Ambiente na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) e, no ano passado, lançou-se numa experiência de voluntariado em Cabo Verde para analisar o impacto das alterações climáticas nas tartarugas marinhas (Caretta caretta). 

“O ano da minha dissertação coincidiu com o da pandemia e com os voos para Cabo Verde a serem cancelados”, começa por contar. Mas a Covid-19 não a fez desistir e interrompeu o mestrado por um ano enquanto esperava a possibilidade de viajar para o continente africano. “Não quero o mestrado só pelo canudo e queria mesmo trabalhar com tartarugas marinhas.”

E assim foi. Levantou voo rumo ao seu sonho numa aventura que teve início em junho do ano passado e durou até outubro. Nestes meses entre o verão e o outono são a altura ideal para acompanhar a desova das tartarugas e o seu nascimento. E é por isso que a Bios Cabo Verde (BIOS.CV), Organização Não Governamental que recebeu Sara de braços abertos, está agora à procura de voluntários de qualquer parte do mundo.

Qualquer pessoa que queira colaborar pode candidatar-se. Não precisa ter experiência ou conhecimento científico sobre as tartarugas, porque, à chegada, é sempre dada formação sobre o protocolo e cuidados a ter com estes animais”, explica a estudante. 

“O nosso trabalho de voluntariado é essencial para as ONG’s e a bolsa do voluntário serve para que a Associação possa trabalhar na conservação das espécies”. Este trabalho de conservação começou pela sensibilização da população. Isto porque, conta, há cerca de 10 anos, as tartarugas marinhas tinham outro tipo de ameaça que não as alterações climáticas: eram consumidas pela população local. 

“Vários esforços foram unidos, criaram-se estratégias de conservação e educação ambiental com o apoio das autoridades locais para a comunidade e turistas. Hoje, a caça à tartaruga é punível por lei e todos trabalham para preservar este que é o coração das tartarugas marinhas no mundo”, conta Sara. 

Tudo isto, segundo a estudante da FCUP, só é possível com apoios e donativos dos voluntários com um valor simbólico para despesas de alimentação e estadia (cerca de 250 euros), que, em conjunto com o trabalho realizado, são a força motriz para esta missão. No entanto, “é importante a candidatura com antecedência para reservar um lugar na ONG, devido ao número de camas disponíveis”, aconselha.

Criar sombras naturais ou artificiais para ajudar a viabilizar a espécie

O amor às tartarugas marinhas e a paixão pelo trabalho de voluntariado notam-se no olhar e na voz de Sara Teles. É o que lhe permite conciliar os estudos e trabalho voluntário com o seu emprego como enfermeira veterinária no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) da U.Porto. 

No âmbito do Mestrado em Ecologia e Ambiente, a estudante foi a Cabo Verde recolher dados sobre as tartarugas marinhas que agora está a analisar, num trabalho com orientação da docente da FCUP Sara Antunes. “Já é conhecido o impacto das alterações climáticas nas tartarugas a nível mundial, mas em Cabo Verde ainda não existiam estudos”, refere. 

“Saíamos todas as noites para identificar as tartarugas. A noite era de trabalho e tentávamos descansar durante o dia”. Sara Teles analisou os dados de temperatura da areia, na qual as tartarugas fazem a desova, desde 2012 até ao ano passado, e, na sua estadia em Cabo Verde, criou sombras naturais e artificiais numa tentativa para produzir machos. “A determinação sexual é definida pela temperatura. Se só tivermos temperaturas muito altas só nascem fêmeas”, explica. 

Brevemente vai perceber se foi bem sucedida ou não na produção de machos com a utilização de sombras naturais com folhas de palmeira e artificiais com uma rede. “O que achamos que aconteceu nestes últimos anos é que, como as temperaturas estão a aumentar cada vez mais, em ambiente natural só nascem fêmeas, o que prejudica a viabilização da espécie”, conta. A própria temperatura da areia, demasiado quente, não ajuda ao nascimento das crias. “A areia está tão quente, tão quente que muitos ovos ficaram cozidos. Literalmente um ovo cozido”, lamenta. 

Os resultados do trabalho da dissertação de Sara poderão servir para um plano de conservação destas tartarugas em Cabo Verde. A estudante quer terminar o mestrado e já pensa em seguir o doutoramento e continuar o seu trabalho para ajudar na conservação destes animais. E até já tem um novo destino pensado para aprender outras boas práticas: em setembro parte em nova aventura para a Indonésia.

O impacto da poluição por plásticos

 Diana Guedes, que está a frequentar o Doutoramento em Biologia na FCUP, está a estudar o impacto da poluição por plástico e das alterações climáticas nas praias de tartaruga-comum em Cabo Verde. A estudante também esteve na ilha da Boavista, no acampamento de João Barrosa, a colaborar com a BIOS.CV.

“Para além do meu trabalho, colaborei também com a associação em regime de voluntariado: monitorização nocturna das praias em busca de fêmeas nidificantes e monitorização do viveiro com ninhos de tartaruga”, descreve.

Diana Guedes está a estudar, no âmbito do doutoramento em Biologia, o impacto da poluição por plástico e das alterações climáticas nas praias de tartaruga-comum.

Nos próximos dois anos, Diana estará em Cabo Verde nos meses de verão em trabalho de campo. O objetivo é perceber qual o impacto da acumulação de plástico nos ninhos de tartaruga.

“Queremos perceber se afeta a sua incubação e emergência de juvenis, e também qual o impacto futuro tendo em conta as alterações climáticas. Para isso, realizei no ano passado e vou voltar a realizar este ano de 2022, uma experiência no viveiro de João Barrosa, em que são simulados diferentes níveis de plástico e avaliado o seu impacto”, conta a estudante.

Diana, que está a ser orientada pelo investigador Neftalí Sillero, do CICGE – Centro de Investigação em Ciências Geo-Espaciais na FCUP, fez também uma “grande amostragem de macro-plásticos, com recurso a um drone, e micro-plásticos, recolhendo amostras de areia, na Boavista”. Para 2022 e 2023, está nos planos da estudante realizar esta mesma amostragem noutras ilhas de Cabo Verde.