Um estudo liderado por uma equipa de investigadores do Centro de Estudos de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto (FAUP -CEAU) concluiu que é mais difícil arrendar casa em Lisboa do que em Barcelona e Berlim.

O trabalho coordenado pelo investigador Aitor Varea Oro teve como base o cruzamento dos valores de rendas e rendimentos de um agregado simulado integrado por um casal com um menor dependente, que reside num T2 de 95 metros quadrados em cada uma das três cidades.

Com base nos dados disponíveis, verificou-se que o valor médio do arrendamento em Lisboa é de 916 euros por mês, ao passo que em Barcelona o valor chega aos 1170 euros e em Berlim atinge os 1491 euros (este valor inclui despesas com eletricidade e água).

No que diz respeito aos rendimentos, verificou-se que o rendimento mediano líquido de uma família em Lisboa ronda os 1563 euros, abaixo dos 2614 euros registados em Barcelona e dos 3727 euros de Berlim.

A análise conclui assim que a taxa de esforço recomendada de 30% (percentagem do rendimento total do agregado familiar destinada ao pagamento das rendas) é ultrapassada nas três cidades, com Berlim a chegar aos 40% e Barcelona aos 45%. O que distingue Lisboa é que este valor representa praticamente o dobro, com uma taxa de esforço de 58%.

O trabalho aponta que a taxa de esforço para arrendar casa em Lisboa é de 58% , quase o dobro do valor de referência. (Gráfico: FAUP-CEAU)

Tirar partido da nova Lei de Bases da Habitação

De acordo com o investigador Aitor Varea Oro, foram identificadas várias desigualdades na análise efetuada, nomeadamente nos rendimentos auferidos pelos cidadãos residentes nas três cidades, na capacidade de ação dos vários agentes de mercado e no acesso a programas de apoio e financiamento.

O estudo mostrou, também, a diversidade de atuação do poder público e da sociedade civil face à vulnerabilidade dos cidadãos no acesso à habitação em cada um dos municípios. Em Barcelona e Berlim, são disso exemplo a capacidade de mobilização dos cidadãos ou a existência de sindicatos de inquilinos, entre outras iniciativas.

No contexto português, o estudo defende a necessidade de se tirar partido dos princípios da nova Lei de Bases da Habitação, que “não só promove uma maior proximidade aos territórios e uma maior autonomia das autarquias como prioriza, ao nível de financiamento estatal, aqueles municípios que declarem fundamentadamente a carência habitacional”, como refere Aitor Varea Oro.

“Os investigadores são atores sociais privilegiados”

Álvaro Domingues, investigador da FAUP, destaca a importância destes temas que marcam a atualidade serem debatidos no seio da Universidade, revelando uma postura de abertura e um interesse em disseminar a investigação académica fora do seu estrito campo disciplinar e, assim, “tomar partido no exercício de uma cidadania ativa”.

“Numa área tão sensível como a da habitação, esta estratégia é fundamental – a investigação trata de temas cujo recorte social é polémico e controverso, e essa polémica e controvérsia fazem parte da própria construção da investigação”, refere Álvaro Domingues, considerando que “os investigadores são simultaneamente atores sociais privilegiados e como tal a sua palavra deve estar presente na esfera pública dando sentido à própria inserção social da Universidade”.

Os resultados do estudo foram debatidos numa sessão pública realizada Auditório Casa Comum, na qual participaram, entre outros convidados, um representante do Sindicato de Inquilinos da Catalunha. (Foto: DR)

O trabalho foi desenvolvido no âmbito da linha de investigação “Práticas e políticas para o desenvolvimento local” do grupo Morfologias e Dinâmicas do Território da FAUP-CEAU. Esta linha de investigação visa a construção de um corpo teórico e prático sobre os mecanismos que produzem o território contemporâneo e formas eficazes de atuação sobre este, sempre que possível. Para tal, os investigadores atuam numa lógica de proximidade ao terreno e privilegiam a articulação com agentes e instituições.

Os resultados deste estudo foram debatidos numa sessão pública realizada no dia 10 de fevereiro, no Auditório Casa Comum da Reitoria da U.Porto, na qual participaram Helena Roseta, autora do primeiro projeto de lei de bases da habitação, em 2018. Estiveram ainda presentes Javier Sánchez Rois, membro do Sindcat de Llogateres Catalunya (Sindicato de Inquilinos da Catalunha), Susana Mourão, socióloga da Câmara Municipal de Évora, e Ana Silva Fernandes, investigadora da FAUP-CEAU, como moderadora.