Era um “velho mistério com mil anos” e acaba de ser desvendado por uma equipa de investigadores do Departamento de Química e Bioquímica da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) e do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS). Os cientistas da U.Porto, que integram o Laboratório Associado para a Química Verde (LAQV-REQUIMTE), ajudaram a decifrar a estrutura química de um corante natural – conhecido como folium – usado nas iluminuras de manuscritos da Idade Média.

Num artigo publicado na revista Science Advances, e realizado em conjunto com investigadores do LAQV da Universidade NOVA de Lisboa, a equipa liderada por Victor Freitas, docente da FCUP, revela então a história daquele que era o único corante medieval usado para pintar, de que não se conhecia a molécula.

E de onde vem este azul, também conhecido como tornassol-dos-franceses? Vem da planta Chrozophoria tinctoria, que os investigadores foram descobrir em Portugal, na aldeia da Granja, perto da Amareleja, Alentejo.

A partir do fruto desta planta foi possível obter um extracto para estudar a molécula. Do Alentejo para o Porto, na FCUP, onde já existe uma vasta experiência na caracterização estrutural e em corantes sobretudo no domínio alimentar, realizou-se o isolamento, purificação e caracterização estrutural no novo pigmento extraído da Chrozophoria tinctoria. O cromóforo, ou seja a molécula responsável pela cor, foi isolado e recebeu o nome de crozoforidina.

fruto da Chrozophora tinctoria

Foto: Paula Nabais /Universidade Nova de Lisboa

Uma molécula muito complexa

Naquele que foi um trabalho moroso, os investigadores da U.Porto e da NOVA tiveram de recorrer a várias técnicas espectroscópicas complementares para conseguir caracterizar esta molécula.

“Apesar de ser uma molécula pequena, ela tem uma grande complexidade”, começa por explicar Victor Freitas. “Apresenta poucos hidrogénios, o que dificultou a utilização de técnicas mais sensíveis e convencionais em termos de resposta como a Ressonância Magnética Nuclear (RMN) do protão”, continua o líder da equipa de investigação.

Desta forma, os investigadores tiveram de recorrer a técnicas menos sensíveis e mais complexas como a RMN do isótopo 13 do carbono e do isótopo 15 do nitrogénio e que “requerem um grau de pureza e de concentração de composto elevado”. Só assim, e utilizando também outras técnicas como a espectrometria  de massa de alta resolução e a espectroscopia de infravermelho, conseguiram chegar à estrutura da crozoforidina.

“Foi muito desafiante e gratificante”, resume Maria Conceição Rangel, Professora Associada do departamento de Química do ICBAS, que contribuiu para este estudo com métodos espectroscópicos na identificação e caracterização de espécies radicalares por Espectroscopias de Ressonância Paramagnética Electrónica (EPR). Para a docente, o trabalho agora revelado pode assim ” abrir portas para outras descobertas de pigmentos e materiais usados na época medieval”.

Os investigadores concluíram, após a determinação da estrutura, que a crozoforidina, utilizada no passado para fazer um corante azul na iluminura de manuscritos medievais, não é nem uma antocianina, encontrado em muitas flores e frutas azuis, nem índigo, o corante azul natural mais estável, mas sim uma nova classe por si só.

Nesta investigação, que decorreu durante mais de dois anos, participaram também os investigadores da FCUP, Joana Oliveira, Natércia Teixeira, Natércia Brás.