Viagens cinematográficas de Abel Salazar é o título de um ciclo de aulas abertas, sobre viagens pelo cinema no tempo de Abel Salazar, realizado no âmbito da Unidade Curricular de Imagem e Contexto II, do Mestrado em História da Arte, Património e Cultura Visual (FLUP). Este ciclo é composto por três sessões, que irão ter lugar na Casa Comum (à Reitoria) da Universidade do Porto nos dias 2, 16 e 22 de junho. O ciclo insere-se também na programação paralela da exposição As Viagens de Abel Salazar: Paris em 1934, que irá inaugurar na Reitoria da U.Porto (Biblioteca do Fundo Antigo), trazendo assim novas possibilidades de reflexão sobre o histórico médico, artista e professor da U.Porto, por meio do cinema, sobre a sua viagem e respetiva publicação (Paris em 1934), os quais dão mote e corpo à exposição.

As três sessões, extraídas do panorama cinematográfico europeu e norte-americano da época, visam proporcionar aos participantes três experiências distintas a partir de imaginadas relações entre Abel Salazar e o cinema.

Viajar entre Portugal e Paris através do cinema

A primeira sessão, marcada para o dia 2 de junho, e intitulada De Portugal a Paris, baseia-se na reconstituição livre de uma sessão de cinema da época e será composta por um documentário, uma curta-metragem de animação e uma longa-metragem.

O documentário Portugal na Exposição de Paris de 1937 , de António Lopes Ribeiro, foca-se na participação de Portugal na Exposição Universal e dá-nos um olhar paradoxalmente fechado e incompleto. Por um lado deparamo-nos com uma cópia de filme mutilada, por outro lado vemos um Portugal representado oficialmente para exportação.

A curta que se segue, The Old Mill, transporta-nos para a maturidade estética e técnica de Walt Disney, numa clara relação intermedial com a pintura de paisagem e de ar livre, plena de apropriações fantasiosas, marcando assim um certo naturalismo no cinema de animação.

Por fim, Jean Renoir traz-nos a França dos anos 30 com Le Crime de Monsieur Lange, evocando assim, ainda que à distância, a Paris que Abel Salazar visitou e o seu espírito crítico e inquieto. Trata-se de uma fábula política que serve de contraponto à narrativa oficial com que o ciclo se inicia

Le Crime de Monsieur Lange, de Jean Renoir (Foto: DR)

Na sessão do dia 16 de junho, temos o contraponto de Paris,  Portugal – Um Estado Novo – o país que vira nascer e florescer os múltiplos talentos de Abel Salazar, mas que também os procurou limitar.

Apresentam-se duas encenações do Portugal de um outro Salazar, através do documentário 1ª Exposição Colonial Portuguesa, de Aníbal Contreiras, dedicado à exposição realizada no Palácio de Cristal (Porto), quando Abel Salazar se encontrava em Paris, e que se inspirara naquela que a capital francesa organizara em 1931.

Após esta representação de um Portugal Imperial, um de muitos ensaios da Exposição do Mundo Português de 1940, será visto o primeiro filme de propaganda oficial do Estado Novo: Revolução de Maio (António Lopes Ribeiro, 1937). A história da conversão de um dissidente apaziguado pelo amor e conquistado pela obra do Estado. Misturando a ficção com registos documentais, António Lopes Ribeiro apresenta-nos uma dupla mise-en-scène do regime, apresentada nas obras reais que o filme capta e na tipificação das personagens e da história que convergem nas comemorações do 28 de Maio de 1936.

1.ª Exposição Colonial Portuguesa, de Aníbal Contreiras (Foto: DR)

Por fim, no dia 22 de junho, a última sessão – Entre a ciência e as expressões artísticas – procura-se um imaginado retrato cinematográfico de Abel Salazar, tendo por base dois campos experimentais do cinema: o documentário científico e a animação ou, por outras palavras, a experimentação científica e a experimentação artística.

Partindo de L’Idée (Berthold Bartosch, 1932) o mote é lançado para o pensamento entregue às garras da sociedade, num claro eco involuntário de Abel Salazar.

Segue-se o filme experimental Jeune fille au jardin (Dimitri Kirsanoff, 1936), que combina as várias expressões artísticas (música, dança e representação fotográfica da natureza) com um sentido de observação científica que nos transporta para os primórdios do cinema e para a sua duplicidade enquanto documento e expressão.

L’Idée , de Berthold Bartocsh  (Foto:DR)

A sessão segue com quatro filmes de Jean Painlevé, pioneiro documentarista das Ciências, e em especial da Biologia e das filmagens subaquáticas, pautados por uma procura da expressão cinematográfica ao serviço da comunicação da ciência, num conjunto de leituras devedoras do olhar naturalista e do artista. A mostra de curtas-metragens termina com três animações que, partindo dos fenómenos científicos e artísticos ligados ao estudo das relações entre imagem e som, nos dá, em An Optical Poem (Oskar Fischinger, 1938), “uma experiência científica” sobre a perceção e a sinestesia, seguido de duas representações, em animação, do poema sinfónico Une Nuit sur le Mont Chauve.

Confrontando a visão experimentalista europeia com o arrojo técnico da grande produção norte-americana, as duas leituras deste delírio fantasmático transportam-nos para as profundezas da mente de Abel Salazar, evocando os seus pesadelos e transitando para uma redenção, em que a natureza e a criação humana se fundem num discurso contemplativo, onírico e espiritual.

O ciclo Viagens cinematográficas de Abel Salazar (ver programa completo), é produzido pela Casa-Museu Abel Salazar em colaboração com a Casa Comum. A curadoria é de Hugo Barreira (FLUP), que irá também orientar as três aulas abertas que integram este ciclo.

As sessões, de entrada livre, decorrem no auditório Casa Comum (Reitoria da U.Porto), nos dias 2, 16 e 22 de junho, sempre às 21h00.