Imaginemos um Big Brother dentro de um pâncreas com células tumorais, uma espécie de “espião” que permite perceber tudo o que acontece e, especificamente, como é que este tipo de cancro se desenvolve de forma silenciosa, é tão eficaz na sua proliferação e tem uma taxa de mortalidade tão elevada. Pode parecer ficção, mas foi precisamente isso que uma equipa do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S), liderada pela investigadora Sónia Melo, fez e conseguiu, pela primeira vez, mapear a comunicação do cancro do pâncreas. O estudo acaba de ser publicado na prestigiada revista Nature Communications e abre portas a novas terapias par aa doença.

Já se sabia que as células cancerígenas pancreáticas segregam exossomas ou vesículas extracelulares, e que são estas vesículas que estabelecem a comunicação local e à distância com outras células. Contudo, a forma como estas vesículas se distribuem no espaço e no tempo e quais os órgãos que as recebem, assim como o impacto que têm nesses órgãos, ainda era desconhecido.

Para obter respostas, a equipa do i3S começou por criar um ratinho geneticamente modificado com um cancro do pâncreas cujas células tumorais segregam vesículas com cor. “Isso permitiu-nos mapear com que células e órgãos estas vesículas comunicam, que mensagens transmitem e de que forma ajudam o tumor a desenvolver-se”, explica Sónia Melo.

Ao analisar a distribuição das vesículas do pâncreas durante a progressão do tumor pancreático, os investigadores perceberam que a comunicação não é aleatória, mas sim direcionada e coordenada, por forma a permitir a progressão da doença e modificar órgãos à distância a seu favor.

“Um dos principais órgãos que recebe comunicação destas vesículas segregadas pelas células tumorais pancreáticas é o timo, onde são produzidas as células do sistema imunitário”, revela a investigadora do i3S e do Porto.Comprehensive Cancer Centre Raquel Seruca. E a informação que o pâncreas envia, acrescenta, “poderá modificar a resposta imune ao tumor, impedindo as células imunes de o reconhecer”.

Esta «viagem» das vesículas de células tumorais pancreáticas foi comparada com o percurso feito pelas vesículas de um pâncreas saudável e, explica Sónia Melo, “provamos que estas vesículas, quando provenientes de um pâncreas sem cancro, são importantes para conter a angiogénese (formação de novos vasos sanguíneos estimulada pelo crescimento tumoral), ou seja, podem ser uma forma de manter o equilíbrio global do corpo humano e a aptidão dos órgãos”.

Este estudo, sublinha a investigadora do i3S e também docente da FMUP, “contribui para uma melhor compreensão do significado biológico dos exossomas do pâncreas na saúde e na doença”.

Além disso, conclui Sónia Melo, “estas descobertas têm potencial para melhorar os cuidados prestados aos doentes, uma vez que os exossomas podem ser utilizados como alvos terapêuticos, nomeadamente através do bloqueio destas vias de comunicação”.