Depois de Paris em 1934 e Testamento de Um Morto Vivo Sepulto na Casa dos Mortos, em Barcelos, ambos publicados em 2022, a U.Porto Press e a Casa-Museu Abel Salazar (CMAS) acabam de lançar A Crise da Europa. Trata-se do terceiro número da Coleção Pensamento, Arte e Ciência, da Editora da Universidade do Porto, dedicada à edição e reedição de obras de Abel Salazar.
O histórico médico, escritor, investigador e professor catedrático da U.Porto publicou A Crise da Europa no início da década de 40 do século XX, em plena II Guerra Mundial.
Conforme contextualiza Maria Fernanda Rollo no prefácio desta nova edição da obra, “importará referir o lugar deste livro no percurso de Abel Salazar, recordando a proximidade da purga que em 1935 envolveu a demissão de um conjunto de professores universitários”, entre eles o próprio Abel Salazar, que, então, se refugiou na pintura e na escrita.
Maria Fernanda Rollo assinala que “nada se diminui ou retira ao interesse histórico ou mesmo ao estímulo intelectual que A Crise da Europa encerra, nomeadamente pelas reflexões decorrentes das leituras, caracterizações e interpretações propostas por A. Salazar”.
A historiadora e docente universitária ressalva, também, que “se mantém a valorização da prosa e da sua estética formal (…) que, uma vez mais, inscreve a tensão da angústia da compreensão do Homem e do Universo que [Abel Salazar] sempre transportou”.
Uma Europa em crise
Em linha com os títulos anteriormente publicados na coleção «Pensamento, Arte e Ciência», nomeadamente Paris em 1934, neste livro Abel Salazar continua a expor as suas inquietações perante uma Europa em crise.
No seu entendimento, terão existido três períodos definidores do Sistema Histórico, considerando que o terceiro corresponde ao período senil ou de decadência. Na Europa o início do terceiro período terá ocorrido em 1900, quando se verificou um “declínio do sistema europeu, destinado a prolongar-se por dez séculos”.
Abel Salazar aborda a regressão europeia quer a nível económico, quer a nível político e social, defendendo que os problemas que a Europa então vive não poderiam ser resolvidos pelas teorias dos homens, mas antes pelas forças históricas.
O médico e investigador refere-se ao conceito de “nação”, historicamente elaborado – assumindo a Europa como um conjunto de nações –, e à unidade de “civilização” (europeia) – vista como conceito futuro, indefinido e ainda dependente da elaboração histórica –, como conceitos antagónicos e incompatíveis. Isto porque “o atual Sistema Europeu, depois do seu desenvolvimento mundial, não cabe já no quadro do conceito de nações, nem nos quadros políticos que lhe correspondem”. Por acréscimo, “a Europa atual contém em suas entranhas um mundo novo, uma nova civilização (…) igualmente ela tende para um novo conceito, sem poder defini-lo”, explicita Abel Salazar.
Se, por um lado, a Europa da época tinha transcendido a sua orgânica histórica e quadros políticos, tendendo a transcender o seu Sistema Histórico, por outro lado reagia contra essa tendência, já que tal implicaria outro Sistema Histórico, outra civilização. Segundo Abel Salazar, ao pretender incluir o mundo e o futuro no Sistema Histórico vigente, a Europa queria um absurdo e um paradoxo.
No seu próprio prefácio à edição original, Abel Salazar salienta, contudo, que “não pode deduzir-se das teorias expostas neste trabalho que o homem tem de entregar-se, de braços cruzados, a um fluir fatal da história”. A vontade, a razão e a emoção – defende o autor – “são forças integradas no mecanismo da história, sem as quais mesmo o seu movimento seria impossível”.
Abel Salazar conclui que a evolução histórica dependerá da “translação do espírito humano da fase não científica para a fase científica”, conduzindo o homem “da inconsciência para a consciência da sua história”.
Partindo do princípio de que o conhecimento científico da história pressupõe a utilização das suas forças em benefício da humanidade, dentro de certos limites, Abel Salazar aponta como cenário previsível futuro “que a humanidade possa elevar-se (…) a um nível social e moral incomparavelmente mais elevado do que o atual — tão elevado, relativamente, que ao Homem dessa época a história atual aparecerá como um conjunto de singulares paradoxos e de chocantes absurdos”.
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