O estudo “Trends of sea-level rise effects on estuaries and estimates of future saline intrusion”, realizado por investigadores da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Porto (CIIMAR-UP), agora publicado na revista Ocean & Coastal Management, recorreu a estudos científicos anteriores para desenvolver um modelo preditivo que permite antecipar a posição da intrusão salina em estuários para o cenário provável da elevação do nível do mar nos próximos anos.

Este trabalho baseou-se numa análise sistemática e síntese dos resultados dos modelos hidrodinâmicos de estudos anteriores desenvolvidos em todo o mundo e aponta a importância das ferramentas preditivas nas medidas de mitigação associadas ao aumento significativo da intrusão de água salgada nos estuários.

Os relatórios iniciais do Intergovernamental Panel on Climate Change (IPCC) previam que o nível do mar subiria em 60 centímetros até 2100 como resultado das alterações climáticas do planeta. Contudo, no seu relatório mais recente (AR6) já é considerado que, devido à nossa incapacidade de controlar as emissões de gases com efeito de estufa, o aumento do nível do mar deverá atingir 1 metro ou mesmo 2 metros até 2100, com impactos diretos não só na biodiversidade, mas também na qualidade da água e na economia das regiões costeiras.

Prever através de modelos matemáticos

O estudo que envolveu os investigadores do CIIMAR Irene Martins e Yuri Costa (CIIMAR/UFBA) indica que a maioria dos trabalhos científicos relacionados com esta questão usou modelos numéricos hidrodinâmicos para analisar a intrusão salina no estuário. Foram estes modelos que serviram de base aos investigadores do CIIMAR para desenhar um modelo estatístico que permite agora antecipar a intrusão salina nos estuários dos rios e assim conhecer o seu impacto nestes ecossistemas.

O uso de modelos numéricos associados a dados obtidos experimentalmente é essencial para efetuar previsões da variação futura da dinâmica de ecossistemas costeiros. “Pensamos que a utilização de ferramentas numéricas, associadas a metodologias experimentais, são de extrema importância para a adoção de medidas adequadas à preservação e conservação de sistemas costeiros, como estuários e rias”, refere Irene Martins, investigadora do CIIMAR envolvida no estudo. Este tipo de previsões é de extrema importância para a tomada de decisões que possam mitigar os efeitos das alterações climáticas e eventos extremos nos ecossistemas costeiros, os quais são densamente povoados e de importância crucial em termos económicos.

Apesar da posição da intrusão salina depender muito da dimensão do estuário, da descarga do rio no estuário e do cenário de elevação do nível do mar, o modelo estatístico desenvolvido no âmbito deste trabalho ajuda a estimar essa posição para qualquer estuário usando apenas dados de descarga, independentemente do local.

Por exemplo, “para um cenário moderado de elevação de 1 metro no nível atual do mar, são esperados incrementos na posição das isolinhas que podem variar de 4% a 331% a depender da descarga do estuário”, explica Yuri Costa, investigador do CIIMAR e primeiro autor do artigo. “Evidentemente que, dependendo da precisão exigida, essa estimativa não substitui a criação de um modelo hidrodinâmico baseado na dinâmica do próprio estuário”, acrescenta. Contudo, este modelo estatístico apresenta-se como uma peça chave para antecipar os principais desafios relacionados com o aumento do nível do mar nestes habitats.

Estudar no presente para prevenir no futuro

Segundo Irene Martins, o estudo “alerta para a importância da adoção de medidas de mitigação e adaptação para minimizar os impactos do aumento do nível do mar nos estuários, com indicação de ferramentas de previsão úteis para gestores públicos e decisores no planeamento de medidas de adaptação.” Mas os resultados deste trabalho destacam também o esforço por parte da comunidade científica para realização de estudos que “devem combinar os resultados de vários tipos de modelos numéricos (estatísticos, dinâmicos, etc.) trabalhando em pequena e média escala, para geração de informações que sejam úteis do ponto de vista da gestão.”

Além disso é importante destacar a importância dos modelos hidrodinâmicos como ferramenta para fornecer previsões na escala local, uma vez que os modelos climáticos oferecem resultados em escala global. Os modelos aplicados na escala local são de extrema importância para criação de estratégias de mitigação por parte dos gestores.

Segundo Yuri Costa, o estudo revelou que a combinação do avanço do mar sobre o estuário combinado com a seca extrema em terra leva a uma penetração de salinidade amplificada, uma vez que não só há maior avanço do mar sobre o estuário como diminuição da descarga do rio sobre o estuário. “A dinâmica natural de um estuário é o equilíbrio entre a penetração das ondas de maré, que carregam a água do mar para o estuário, e a descarga do rio que fornece água doce. Ora, a elevação do nível do mar favorece a entrada da água mais salgada, enquanto a descarga impede que a água salgada avance demasiado rio acima. Rios com pouca descarga naturalmente tornam-se mais salgados durante a maré cheia”, explica o investigador.

Sendo um dos fenómenos associados às mudanças climáticas o aumento de eventos extremos, entre eles a grande amplitude da pluviosidade com inundações ou períodos de seca prolongados, crescem também os desafios associados a estas grandes variações de salinidade nos estuários tanto para a biodiversidade como para as populações e a economia local.

A amplitude dos impactos

Em cenários de elevação do nível do mar, a penetração da salinidade tenderá a intensificar-se, e a evaporação das águas pode aumentar a salinidade dos estuários, causando um processo chamado de marinização do estuário e que já está a ser registado em alguns locais. Nesse processo, espécies marinhas que não costumam habitar o ecossistema estuarino passam a colonizar este ambiente, uma adaptação que aparentemente não parece ter consequências, mas que esconde outros problemas.

“Isto abre o precedente para espécies oportunistas, como as espécies invasoras, que reconhecidamente causam desequilíbrio ambiental. Por exemplo, uma espécie de peixe invasor pode chegar ao ambiente estuarino numa situação de desequilíbrio e ser favorecida por ser mais tolerante a situações estressantes enquanto as espécies nativas ainda se estão a adaptar às novas condições. Neste caso, as espécies invasoras podem reduzir drasticamente os recursos alimentares das espécies nativas, competindo com elas e reduzindo-as até à sua extinção nesse local”, explica Yuri Costa.

Além das preocupações com a biodiversidade, o investigador do CIIMAR aponta o problema da introdução de espécies invasoras para as populações. “Outro fator preocupante é que estas espécies invasoras podem afetar os recursos alimentares, e muitas vezes de subsistência, para as populações humanas envolventes que não têm essas espécies invasoras como alvo de captura e apenas percebem o declínio das espécies que tradicionalmente costumavam capturar.”