Uma simples autópsia molecular pode identificar as causas genéticas da morte súbita cardíaca em jovens e ajudar a salvar familiares com mutações de risco. A conclusão resulta de um trabalho de investigação desenvolvido na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e que pode ajudar a evitar que se repitam casos como o dos jogadores de futebol Miklós Fehér, do Benfica, e Serginho, do São Caetano (Brasil), ambos vítimas de morte súbita em campo, em 2004.

“Estas são situações muito traumáticas porque são pessoas jovens e aparentemente saudáveis que, de repente, são vítimas de morte súbita cardíaca. Dai a importância do nosso trabalho”, destaca Jennifer Fadoni, doutorada em Ciências Forenses pela FMUP e primeira autora do estudo publicado no prestigiado International Journal of Legal Medicine.

Durante o seu doutoramento, Jennifer Fadoni realizou autópsias moleculares em 16 vítimas de morte súbita cardíaca não relacionadas entre si geneticamente. A autópsia molecular é uma análise genética que permite identificar a causa molecular que explica o óbito, sendo complementar à autópsia clássica.

A cientista analisou 40 genes associados a miocardiopatias hipertróficas, procurando mutações patogénicas associadas a uma doença cardíaca. O objetivo era descobrir a causa molecular que levou adultos jovens e aparentemente saudáveis a serem vítimas de morte súbita cardíaca.

Caracterizada pelo aumento da espessura da parede do ventrículo esquerdo, a miocardiopatia hipertrófica é uma das causas mais frequentes de morte súbita cardíaca, com uma prevalência de um indivíduo para cada 500. Com o avanço das metodologias de diagnóstico, estima-se que este número seja muito maior (um indivíduo em cada 200).

Neste estudo, 37,5% das vítimas evidenciaram, no diagnóstico post mortem, a presença de um ou mais variantes genéticas ligadas à morte súbita. Os resultados mostram também que 31% das vítimas tinham exatamente a mesma mutação patogénica no gene MYBPC3 em indivíduos que não eram familiares. “Isto sugere a existência de uma variante fundadora na população portuguesa”, indica Jennifer Fadoni.

Uma ferramenta que pode salvar vidas

Com início há apenas cerca de 20 anos, as autópsias moleculares evoluíram com o desenvolvimento da sequenciação de nova geração, que possibilita a sequenciação em paralelo de milhões de fragmentos de ADN. Com esta nova metodologia, é possível analisar várias regiões do genoma num intervalo de tempo muito menor, na área forense e na clínica.

No futuro, a investigadora pretende estender esta sequenciação aos familiares diretos das vítimas. “Através da identificação dessa causa molecular, temos em mãos uma ferramenta, um biomarcador que não só pode como deve ser investigado nos familiares das vítimas, de modo a identificar precocemente a mutação e evitar a morte. Estes familiares devem ser sempre acompanhados por um cardiologista”, aconselha a investigadora.

No seu doutoramento, Jennifer Fadoni, que é também especialista do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses – delegação do Norte, foi orientada por Agostinho Santos e Laura Cainé, ambos professores da FMUP, que também assinam o trabalho publicado no International Journal of Legal Medicine.