São estudos promissores no combate ao cancro e vão ser conduzidos, ao longo do próximo ano, por jovens investigadores do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S) e do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) da Universidade do Porto. É esse o traço comum a sete dos 16 projetos distinguidos este ano com as bolsas de investigação científica em oncologia atribuídas pela Liga Portuguesa Contra o Cancro – Núcleo Regional do Norte (LPCC-NRN).
Destinadas a jovens investigadores de instituições científicas da Região Norte, estas bolsas têm como objetivo apoiar projetos de investigação inovadores na área da oncologia, através de um financiamento individual de 12.600 euros.
Do “bolo” total de mais de 200.000 euros atribuídos pela LPCC-NRN, mais de 88.000 euros servirão assim para financiar projetos da U.Porto.
Dos projetos distinguidos, cinco estão sediados no i3S. Focam-se em tumores pediátricos (Bárbara Ferreira), células tumorais circulantes (Guilherme Faria), linfomas (Liliana Arede), cancro da próstata (Sílvia Soares) e cancro colorretal (Ricella da Silva).
As restantes bolsas foram atribuídas a investigadoras do ICBAS e vão apoiar trabalhos nos domínios do cancro testicular (Ana Lobo de Almeida) e do cancro do pulmão (Júlia Gomes).
Organoides ex-vivo para tratar tumores cerebrais pediátricos
O trabalho apresentado por Bárbara Ferreira, sob orientação do investigador Jorge Lima, foca-se no estudo dos tumores pediátricos do sistema nervoso central, nomeadamente na sua biologia molecular e na translação desse conhecimento para a prática clínica com o objetivo de encontrar terapias mais personalizadas e com menores efeitos secundários.
Em colaboração com o Centro Hospitalar Universitário São João, a equipa do grupo «Cancer Signalling and Metabolism» do i3S está a desenvolver um modelo pré-clínico inovador: organoides ex-vivo derivados de material cirúrgico de tumores cerebrais pediátricos, capazes de crescer e manter características moleculares importantes dos seus tumores de origem.
O projeto, explica Bárbara Ferreira, “tem como objetivo principal determinar o perfil de um conjunto de proteínas, as quinases, que estão ativadas. Desta forma será possível identificar quais as vias de sinalização celular que contribuem para o crescimento e progressão destes tumores e que podem constituir potenciais alvos terapêuticos para o seu tratamento”.
Este projeto surge no seguimento de um estudo nacional denominado PRECISEKIDS, liderado por Jorge Lima, que visa determinar o perfil genético de tumores cerebrais pediátricos, fornecendo informação molecular crucial para o processo de diagnóstico e escolha terapêutica.
“A implementação de organoides ex-vivo como um modelo pré-clínico e a sua caracterização molecular é um passo fundamental para que estes doentes possam ter acesso a uma abordagem terapêutica personalizada, reduzindo os efeitos adversos associados aos tratamentos e aumentando a sua qualidade de vida”, refere Bárbara Ferreira. Já a bolsa da LPCC, acrescenta, representa o “reconhecimento do potencial e relevância do nosso projeto”.
Estudar os glicanos das células tumorais circulantes
Qual o papel dos glicanos nas células tumorais circulantes (CTCs) e na mestatização tumoral? Estas são as principais questões a que o projeto de Guilherme Faria, desenvolvido sob orientação da investigadora Salomé Pinho, do grupo «Immunology, Cancer & GlycoMedicine», pretende responder.
Com esse objetivo, o investigador vai focar-se na camada de açúcares (glicanos) existente à superfície das células tumorais circulantes (CTCs), mais especificamente nas células descendentes do tumor primário e que são as responsáveis pela formação de novos focos metastáticos.
“Sabemos que estes açúcares (glicanos) são determinantes para o escape imune que ocorre no tumor primário e, por isso, pretendemos compreender qual a sua relevância para a sobrevivência das CTCs e para a sua disseminação metastática, com um foco particular na interação com o sistema imune”, explica Guilherme Faria.
Outro dos objetivos, acrescenta o jovem cientista, “é determinar se os padrões de glicosilação destas células poderão ter relevância clínica, providenciando informação preditiva para efeitos de estratificação de risco de metastização ou de terapias personalizadas”.
Aumentar a eficácia da imunoterapia com células CAR-T
Quando transplantadas, as CAR (Chimeric Antigen Receptor) -T cells, utilizadas em imunoterapia, aderem ao endotélio vascular e migram para o tecido tumoral, onde interagem com células malignas. Assim, intervenções que reestruturem os vasos sanguíneos e as células endoteliais podem afetar significativamente o desempenho e a eficácia das células CAR-T no seu efeito na eliminação do tumor.
A proposta apresentada por Liliana Arede, do grupo «Hematopoiesis and Microenvironments» do i3S, liderado por Delfim Duarte, pretende investigar o papel da radioterapia de baixa dose na remodelação do microambiente vascular do linfoma, e em consequência, ajudar a que as células CAR-T reconheçam e destruam as células tumorais mais facilmente.
A atribuição desta bolsa, sublinha Liliana Arede, “é, sem dúvida, um forte incentivo para a concretização deste estudo, que será desenvolvido em colaboração com o IPO-Porto no contexto do Porto Comprehensive Cancer Center e que acreditamos possa vir a melhorar o prognóstico de muitos doentes oncológicos que fazem imunoterapia com células CAR-T”.
Nanopartículas de ouro para melhorar o tratamento do cancro da próstata
A radioterapia é uma das abordagens mais utilizada para tratar o cancro da próstata, mas cerca de 50 por cento dos pacientes apresenta reincidências passados cinco anos. Nesse sentido, é fundamental otimizar o tratamento de forma a aumentar a radiossensibilidade das células cancerígenas e, assim, reduzir o risco de recorrência e metastização.
Tendo como base esse objetivo, Sílvia Soares, sob orientação da investigadora Susana Gomes Guerreiro, do grupo «Metabesity», pretende “desenvolver um nanossistema capaz de potenciar essa radiossensibilidade das células de cancro da próstata utilizando nanopartículas de ouro ligadas a um miRNA com função anti-angiogénica de forma a aumentar o sinergismo da terapêutica”.
Para Sílvia Soares, receber esta bolsa da LPCC foi “muito gratificante” e “marcante”: “Senti o meu trabalho reconhecido e valorizado no meio científico. Nesse sentido, pretendo aproveitar esta oportunidade para continuar o meu caminho na ciência e contribuir cientificamente para as novas abordagens da radioterapia em ambiente hospitalar de forma a melhorar a qualidade de vida dos doentes”.
Novas terapias personalizadas para o cancro colorretal
A investigação proposta por Ricella da Silva, que é coordenada pelo patologista Fernando Schmitt, do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (Ipatimup), tem como objetivo analisar as relações espaciais dos componentes do microambiente tumoral e os mecanismos subjacentes à expressão de biomarcadores específicos, a partir dos estados de ativação ou esgotamento das células estromais e imunes no cancro colorretal.
Segundo Ricella da Silva, “o estudo de biomarcadores, sob a observação espacial, permite-nos identificar fatores que influenciam a progressão do cancro colorretal, destacar possíveis alvos moleculares e levar ao desenvolvimento de novas terapias personalizadas”.
Esta abordagem, acrescenta a investigadora, “é de extrema relevância para uma neoplasia que representa um importante problema de saúde pública global, devido ao aumento da incidência e mortalidade observado nas últimas décadas e dos custos associados ao diagnóstico e tratamento». O cancro colorretal é um dos cancros mais comuns do mundo e a incidência em pessoas com menos de 50 anos tem vindo a crescer, sendo que, nos últimos dez anos, duplicou de 5 para 10 por cento.
A bolsa da LPCC, realça Ricella da Silva, “fortalece o meu entusiasmo e, ao mesmo tempo, legitima e engrandece o desenvolvimento do nosso trabalho de investigação em cancro colorretal”.
Melhorar a capacidade reprodutiva de sobreviventes de cancro
Do i3S para os laboratórios do ICBAS, é ali que Ana Lobo de Almeida está a desenvolver o seu projeto focado no cancro testicular, o mais comum em idade reprodutiva, mas também aquele que apresenta uma das maiores taxas de sobrevivência, superior a 90%.
“Esta taxa elevada de sobrevivência deve-se principalmente à implementação do regime que combina a cisplatina, o etoposido e a bleomicina (BEP). Apesar de amplamente aplicado com sucesso, este regime tem, no entanto, mostrado afetar negativamente a função reprodutiva dos doentes”, começa por explicar a jovem investigadora.
Mas se “as propriedades farmacológicas dos fármacos utilizados no regime BEP são complementares e os seus efeitos adversos na função reprodutiva masculina bem conhecidos”, o mesmo não se verifica no que concerne aos efeitos individuais de cada um dos seus componentes. Nomeadamente no que toca aos efeitos da bleomicina na função reprodutiva humana, os mesmos “permanecem desconhecidos apesar do uso deste antibiótico antitumoral no tratamento de uma variedade de cancros”.
É neste contexto que o projeto BOAST: In vitro actions of bleomycin on human sperm function and the underlying mechanism of any effects se propõe a determinar e avaliar o efeito da bleomicina isolada nos espermatozoides humanos, “permitindo uma maior compreensão da ação in vitro da bleomicina na função reprodutora, fornecendo aos clínicos e aos doentes em si um maior conhecimento dos riscos reais deste fármaco na fertilidade masculina”.
A desenvolver no Laboratório de Biologia Celular do Departamento de Microscopia do ICBAS, sob a orientação da docente e investigadora Rosália Sá, “este projeto permitirá igualmente um conhecimento mais fundamentado relativamente à preservação da fertilidade do doente antes do início do tratamento oncológico”, projeta Ana Lobo de Almeida.
Inibir o crescimento do cancro do pulmão
Por fim, o projeto de Júlia Gomes “baseia-se, essencialmente, em estudar e avaliar os componentes do microambiente tumoral do cancro do pulmão, quando expostos a diferentes regimes imuno-terapêuticos”.
“Para isso, serão utilizadas diferentes linhas celulares do cancro do pulmão, do tipo adenocarcinoma e do tipo carcinoma de células escamosas”, apresenta a investigadora da Unidade Multidisciplinar de Investigação Biomédica (UMIB) do ICBAS.
Ao longo do estudo, “estas células serão expostas a diferentes concentrações de Nivolumab e ao Pembrolizumab e, posteriormente, comparadas a nível celular e molecular. A partir daí, espera-se encontrar uma concentração ideal que permita inibir o crescimento celular tumoral e perceber os mecanismos subjacentes”, conclui Júlia Gomes.
A cerimónia de assinatura dos contratos de atribuição das bolsas teve lugar no passado dia 4 de fevereiro (Dia Mundial de Luta Contra o Cancro), na sede da LPCC-NRN.