Um estudo realizado pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) alerta para o subtratamento oncológico nas idosas diagnosticadas com cancro da mama e para o seu impacto negativo na vida dessas pacientes.
Publicada no Journal of Breast Cancer, a investigação revela que o impacto negativo se verificou independentemente da fragilidade ou da resiliência das doentes avaliadas e que a omissão de cirurgia influenciou negativamente a sobrevivência.
Neste estudo observacional, a taxa de mortalidade aos cinco anos das pacientes consideradas subtratadas foi de 55,1% e a taxa de letalidade por cancro de 24,5%, enquanto que, no grupo de tratamento standard, os números baixaram para 13,9% e 7%, respetivamente.
Em Portugal, a população com 65 anos ou mais quase triplicou de 8% em 1961 para 22% em 2019. Segundo os investigadores, o envelhecimento populacional está a contribuir para um aumento da incidência de cancro, “o que vai fazer com que os médicos tenham que tratar cada vez mais doentes com cancro em idades avançadas”, revela Fernando Osório, docente da FMUP e investigador do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde.
Iniciado em 2014, este projeto propôs realizar uma avaliação geriátrica aos pacientes com mais de 70 anos diagnosticados com cancro da mama no Centro de Mama do Hospital de São João, como complemento “essencial” ao processo de decisão terapêutica, avaliando o perfil risco/benefício e a vontade do doente em ser tratado.
Neste trabalho, os médicos e investigadores identificaram ter ocorrido subtratamento em 53,3% das doentes, definido como: a recusa do paciente ao tratamento definido, o não cumprimento, por intolerância, do tratamento proposto ou a não proposta de um tratamento standard devido à idade cronológica avançada ou à vulnerabilidade fisiológica limitante.
Alargar rastreios e combater estigma
A escassa evidência científica de suporte às recomendações clínicas no diagnóstico e no tratamento do cancro da mama nos doentes idosos é um dos problemas levantados pelos investigadores, devido a esta população ser “sistematicamente excluída dos ensaios clínicos”.
“Atualmente, os programas de rastreio mamográfico não contemplam o considerável aumento da longevidade da mulher nos últimos 60 anos”. Por este motivo, Fernando Osório é a favor do alargamento do rastreio mamográfico às mulheres com mais de 70 anos, bem como da inclusão de idosos nos ensaios clínicos e o desenho de ensaios clínicos específicos para a “heterogeneidade fisiológica” do idoso.
“É importante, acima de tudo, combater o estigma da idade cronológica e conhecer melhor os doentes para obtermos um tratamento mais adequado e personalizado”, defende Fernando Osório, recordando que a atual taxa de 83% de sobrevivência aos cinco anos do cancro da mama em Portugal diminui para 50% em mulheres com mais de 75 anos.
“Devemos respeitar a vontade e a autonomia do doente, evitando um sobretratamento prejudicial à sua qualidade de vida, mas também temos a obrigação de evitar um subtratamento oncológico que tenha, como mostrámos neste trabalho, um efeito adverso no tempo de vida”, conclui o coordenador do grupo oncológico de mama do Centro Hospitalar Universitário de São João.