Um estudo levado a cabo pelo Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), em parceria com o Institute of Environmental Science and Technology da Universitat Autònoma de Barcelona (ICTA-UAB), concluiu que a exposição a espaços naturais, durante o primeiro confinamento domiciliário, originado pela pandemia de COVID-19, em 2020, foi benéfica para a saúde mental dos cidadãos portugueses e espanhóis.
A investigação ibérica mostrou que, em Portugal, as pessoas que durante o primeiro confinamento mantiveram ou aumentaram o contacto com os espaços públicos naturais, como parques e zonas costeiras, ou que puderam contemplar esses espaços a partir de sua casa, apresentaram menores níveis de stress, perturbação psicológica e sintomas psicossomáticos.
Por sua vez, em Espanha, os espaços naturais privados, como os jardins particulares e as plantas interiores, contribuíram mais para a redução dos níveis de stress e dos sintomas psicossomáticos dos cidadãos. Tal poderá dever-se ao facto de em Espanha terem sido adotadas medidas mais restritivas à circulação exterior, durante o período analisado.
A investigação designada Exposure to nature and mental health outcomes during COVID-19 lockdown. A comparison between Portugal and Spain, publicada na revista Environment International, foi desenvolvida no ano de 2020, entre os meses de março e maio.
Como explica Ana Isabel Ribeiro, investigadora do ISPUP e primeira autora do trabalho em parceria com Margarita Triguero-Mas, do ICTA-UAB, “decidimos estudar se os espaços naturais, públicos e privados, tinham um efeito benéfico na saúde mental dos cidadãos portugueses e espanhóis, ajudando-os a lidar melhor com os efeitos negativos do confinamento”.
“Ao conversarmos com várias pessoas ao nosso redor, percebemos a falta que todas sentiam das visitas aos parques, das idas ao escritório ou dos passeios na praia para passear os animais de estimação. Por essa razão, quisemos averiguar até que ponto o contacto com os espaços naturais era um fator importante para a saúde mental durante o confinamento”, acrescenta Margarita Triguero-Mas.
Vários artigos, alguns dos quais publicados por vários autores do presente estudo, têm também demonstrado o impacto positivo do contacto com os espaços naturais na saúde mental, nomeadamente, na redução do stress, na ansiedade e na melhoria do bem-estar psicológico como um todo.
“Tendo em conta o que está descrito na literatura, quisemos avaliar se as pessoas que usufruíram de uma maior exposição a espaços de natureza, durante o primeiro confinamento, apresentaram melhores indicadores de saúde mental do que as que não tiveram contacto com áreas naturais. Paralelamente, fomos averiguar se a exposição a espaços naturais privados, como jardins interiores, hortas ou plantas, foi mais benéfica entre os cidadãos espanhóis do que entre os portugueses, dado Espanha ter tido medidas de restrição à circulação externa mais severas do que Portugal”, explica Ana Isabel Ribeiro.
Quebra significativa no uso de espaços naturais públicos
Para levarem a cabo a investigação, os autores aplicaram um questionário online, entre os dias 27 de março e 6 de maio de 2020, direcionado a todos os cidadãos com 18 ou mais anos, que estavam a residir nos dois países, durante o período analisado.
O inquérito abarcava aspetos sobre a frequência e o tipo de exposição dos indivíduos aos espaços naturais (públicos e privados), antes e durante o primeiro confinamento; perguntas sobre saúde mental, para avaliar os níveis de stress, de perturbação mental e de sintomas psicossomáticos; e questões sociodemográficas.
Dos mais de 3 mil cidadãos (n=3157) que responderam ao questionário, 1638 eram portugueses e 1519 espanhóis.
Nos dois países, houve, durante o confinamento, uma redução significativa no uso dos espaços naturais públicos, como praias, parques e jardins, e um aumento do contacto com os espaços naturais privados, como jardins de prédios, hortas urbanas e plantas.
Em Portugal, como expectável, metade dos respondentes indicaram diminuir a frequência de visita a espaços naturais públicos, durante o confinamento, por comparação com o período pré-pandemia.
As pessoas que viviam em habitações unifamiliares (vivendas) e em apartamentos localizados em cidades foram as que mais reduziram o contacto com espaços naturais públicos, em ambos os países.
Além disso, em Portugal, as que estavam confinadas há mais tempo e as que se deslocavam para trabalhar, foram as que menos mantiveram ou aumentaram o seu contacto com espaços públicos de natureza. Já quem praticava exercício físico indicou maior exposição a estes locais.
Os benefícios de contemplar a natureza
Os cidadãos portugueses que conseguiram manter ou aumentar a exposição a espaços públicos de natureza apresentaram menores níveis de stress, comparativamente com os que não o fizeram.
De forma análoga, os que contemplaram espaços naturais a partir de sua casa tiveram melhorias em todos os indicadores de saúde mental analisados: stress, perturbação psicológica e somatização.
De notar que, entre os cidadãos espanhóis, os benefícios da exposição a espaços naturais públicos não foram tão expressivos como entre os portugueses, o que, segundo os autores, se poderá dever ao facto de Espanha ter tido, durante o período analisado, medidas de combate à pandemia mais restritivas, em que as saídas de casa foram proibidas e os espaços públicos ao ar livre encerrados. Entre os cidadãos espanhóis que participaram no estudo, 66% diminuíram a frequência de exposição a espaços naturais públicos (versus 54% em Portugal).
Assim, em Espanha, as pessoas que tiveram a oportunidade de manter ou aumentar o tempo dedicado ao cuidado de plantas interiores, apresentaram menores níveis de stress, e as que que conseguiram manter ou aumentar as visitas a espaços verdes comunitários manifestaram menores níveis de somatização.
Uma mensagem para os decisores
Segundo Ana Isabel Ribeiro, “este estudo vem demostrar claramente o benefício dos espaços naturais para a saúde mental da população num contexto de crise de saúde pública”.
“As autoridades públicas e os decisores poderiam implementar medidas que facilitassem o acesso aos espaços públicos de natureza, de uma forma segura e controlada, em contexto de pandemia. Tal é particularmente importante para os grupos populacionais social e economicamente mais vulneráveis, e para os que têm pouco acesso a estes espaços no seu contexto privado”, frisa a investigadora do ISPUP.
Já Margarita Triguero-Mas refere que “este artigo é especialmente relevante para cidades como Barcelona, em que os novos edifícios raramente têm varandas ou espaços comunitários com vegetação. Seria, por isso, importante estudar a forma como as futuras casas podem ser espaços mais saudáveis, que promovam e previnam a saúde das pessoas que os habitam”.
A investigação é também assinada pelos autores Margarita Triguero-Mas, Cláudia Jardim Santos, Alicia Gómez-Nieto, Helen Cole, Isabelle Anguelovski, Filipa Martins Silva e Francesc Baró.
Os investigadores responsáveis pelo estudo pertencem às seguintes instituições: ISPUP, Laboratório para a Investigação Integrativa e Translacional em Saúde Populacional (ITR), Barcelona Lab for Urban Environmental Justice and Sustainability, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Institute of Environmental Science and Technology (ICTA-UAB), Mariana Arcaya’s research lab (DUSP-MIT), Hospital del Mar Medical Research Institute, Universidad de Alcalá de Henares, Institució Catalana de Recerca i Estudis Avançats, Centro Hospitalar e Universitário do Porto e Vrije Universiteit Brussel.