Num estudo publicado na última edição da revista African Journal of Herpetology, uma equipa de investigação internacional, da qual fez parte Luis Ceríaco, curador chefe do Museu de História Natural de Ciência da Universidade do Porto (MHNC-UP), e Mariana Marques, estudante de Doutoramento do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da U.Porto (CIBIO-InBIO), descreve a descoberta, em Angola, de três novas espécies de serpentes Boaedon, conhecidas como Cobras das Casas Africanas (ou Serpentes Castanhas).

As serpentes do género Boaedon são totalmente inofensivas para o ser humano, alimentando-se de ratos e osgas. Como caraterística comum, apresentam uma lista esbranquiçada no focinho, que lhes passa pelos olhos, fazendo lembrar uma mascarilha.

Apesar de serem das serpentes mais abundantes no continente Africano, a história deste género, que começou a ser escrita em meados do século XIX, é confusa e problemática, representando um desafio para a comunidade científica.

Conhecer o passado para preservar o futuro

E foi precisamente para compreender a história taxonómica e nomenclatura das Serpentes das Casas Africanas que a equipa de investigadores levou a cabo um estudo aprofundado das serpentes do género Boaedon, desenvolvido em colaboração com o Instituto Nacional da Biodiversidade e Áreas de Conservação (INBAC) do Ministério do Ambiente de Angola.

Recorrendo a espécimes coletados no terreno no contexto de expedições realizadas por todo o país, bem como à revisão de exemplares históricos armazenados em museus de história natural europeus, norte americanos e angolanos, e combinando o uso de marcadores moleculares (genes mitocondriais e nucleares) com dados morfológicos, os investigadores chegaram à conclusão de que, em vez das quatro espécies deste género que se pensava existir em Angola, existem, na realidade, nove espécies.

Para além das já referidas, existem duas que apenas eram conhecidas no Congo – B. virgatus, B. mentalis, e três que, para além de novas para Angola, são novas para a ciência – B. bocagei sp. nov., B. branchi sp. nov. e B. fradei sp. nov.

As novas espécies

Entre as três novas espécies identificadas inclui-se, por exemplo, a B. bocagei, batizada em honra de José Vicente Barbosa du Bocage, fundador dos estudos herpetológicos em Angola,. De cor alaranjada, com duas listas brancas grossas a fazer de “mascarilha” na zona dos olhos, trata-se de uma espécie endémica da região de Luanda. O que, como nota Luís Ceríaco, “não deixa de ser surpreendente. Afinal, numa metrópole com milhões de habitantes, ainda é possível descobrir espécies novas para a ciência!”.

Os espécimes tipo incluem espécimes coletados pela equipa de Luís Ceríaco em 2016, no Parque Nacional da Kissama, mas também espécimes coletados pelo naturalista Português Francisco Newton em 1903, no contexto de uma expedição feita para a Academia Politécnica do Porto (percursora da atual Universidade do Porto) e ainda hoje presentes nas coleções do MHNC-UP. Segundo Luís, “a possibilidade de se recorrer a exemplares armazenados em museus para este tipo de estudos, demonstra de forma inequívoca a importância das coleções de história natural para o estudo atual da biodiversidade”.

Luís Ceríaco com um exemplar de Serpente Castanha de Bocage, na reserva de zoologia do Museu de História Natural e da Ciência da U.Porto. (Foto: MHNC-UP)

Por sua vez, a espécie B. branchi é endémica da província do Cuando Cubango, no sudoeste de Angola, e foi coletada durante as expedições promovidas pela National Geographic ao Okavango. O seu nome é dedicado ao herpetólogo Sul Africano William R. Branch, que faleceu em 2018, e que, nos últimos anos, tinha vindo a dedicar-se às investigações em Angola.

Por fim, a espécie B. fradei é endémica do sudoeste de Angola, mas também de parte da Zâmbia e da República Democrática do Congo. A atribuição do seu nome é dedicada ao zoólogo Português Fernando Frade, antigo diretor do Centro de Zoologia do Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT), e responsável pela coleta de alguns dos espécimes que foram usados para a descrição da espécie, e que se encontram hoje nas coleções do IICT no Museu Nacional de História Natural e da Ciência da Universidade de Lisboa (MUHNAC).

Um ano de descobertas… e vêm mais a caminho

As três novas espécies agora descritas para Angola somam-se a duas osgas (Hemidactylus nzingae e Hemidactylus paivae) e à lagartixa de olhos de serpente (Panaspis mocamedensis), destacada num artigo da National Geographic, já descritas no inicio deste ano pela mesma equipa de investigação.

“Espera-se ainda que até ao final do ano sejam descritas pelo menos mais seis espécies de répteis e anfíbios, que já se encontram em processo de publicação, e que se juntam a muitas outras cuja descrição se encontra neste momento em processo de escrita”, antecipa Luís Ceríaco. E para quem quer conhecê-las, “as coleções do MHNC-UP albergam algumas destas novas espécies”

O artigo original pode ser consultado aqui.