Investigadores do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Porto (CIIMAR-UP) descobriram uma enzima produzida por cianobactérias com potencial biotecnológico sem precedentes. A partir do estudo do misterioso desaparecimento de compostos produzidos por estes microorganismos em certas condições de crescimento, a equipa desvendou um novo mecanismo de transformação bioquímica nunca antes descrito e que pode abrir caminho a novos processos industriais para produção de produtos naturais. O estudo acaba de ser publicado na revista científica Nature Communications.

“De cada vez que olhamos com atenção para uma destas cianobactérias, encontramos algo novo”, refere Pedro Leão, líder do grupo de Produtos Naturais de Cianobactérias. E, de facto, as cianobactérias parecem guardar em si valiosos segredos com um potencial biotecnológico que é hoje amplamente estudado no CIIMAR.

Desta vez, o estudo surgiu então de uma observação inesperada. Sempre que os ácidos gordos de cianobactérias eram marcados – uma espécie de sinalização que permite localizar estas moléculas dentro das células –  os investigadores verificaram o desaparecimento misterioso de uma série de compostos por elas produzidos – as bartolosidas – que haviam sido anteriormente reportadas pela equipa e isoladas de cianobactérias do litoral Norte de Portugal.

“Percebemos rapidamente o que estava a acontecer – na verdade os ácidos gordos ligavam-se às bartolosidas. No entanto, esta ligação – uma esterificação – parecia ocorrer por um mecanismo novo, desconhecido da bioquímica” refere Pedro Leão, líder da equipa do CIIMAR.

“Como as esterificações são reações muito importantes na química industrial, biotecnologia e química biológica, a perspetiva de descobrir como as células levam a cabo esta nova reação, motivou-nos a continuar a investigar”, acrescenta o investigador.

A partir desse momento, o objetivo do trabalho passou por descobrir qual a enzima responsável por esta transformação bioquímica e entender os detalhes deste novo mecanismo. E foi nisso que João Reis se focou, no âmbito do seu mestrado em Biologia Celular e Molecular da Faculdade de Ciências da U.Porto (FCUP). “Estudar a biossíntese de produtos naturais é importante não só para a descoberta de novos fármacos, mas também para encontrar novas enzimas com potencial biotecnológico”, explica o agora mestre e primeiro autor do estudo.

Uma descoberta sem precedentes

A biossíntese das bartolosidas já era parcialmente conhecida, contudo, uma das enzimas não tinha ainda função descrita pela comunidade científica. Após a purificação desta enzima em laboratório, os investigadores do CIIMAR puderam concluir que esta era responsável pela reação de esterificação.

Segundo os autores, este tipo de reação, embora já fosse conhecido na síntese química, representa um caso sem precedentes para a química biológica. “Não se sabia que havia organismos capazes de levar a cabo este tipo de reação nas suas células” refere João Reis. Mais ainda, o trabalho agora descrito mostra que a enzima utiliza diretamente ácidos gordos livres (sejam eles de cadeia muito curta ou de cadeia longa), algo que até agora não se sabia ser possível em nenhum tipo de organismo.

“Esta descoberta junta-se a uma série de outras em que se prova que a Natureza já tinha desenvolvido, há milhares e milhares de anos, soluções semelhantes às que os humanos criaram na química moderna”, refere por sua vez, Pedro Leão.

Na verdade, as reações de esterificação são das mais aplicadas na indústria, sendo que ao longo do tempo têm vindo a ser desenvolvidos processos cada vez mais eficientes. Contudo, estas técnicas continuam a não ser sustentáveis, produzem resíduos indesejados e poluentes, gerando uma necessidade emergente de encontrar alternativas viáveis. As enzimas são uma alternativa muito procurada, já que não necessitam de solventes poluentes, são extremamente eficientes e não produzem excedentes indesejados. Hoje em dia já se usam enzimas na indústria para realizar esterificações mas o estudo em questão descreve um mecanismo inovador que abre portas a novas aplicações com diferentes substratos e produtos.

Este estudo foi financiado pelo European Research Council, através de uma Starting Grant (Grant Agreement 759840); pelo Projeto PTDC/BIA-BQM/29710/2017 e IF/01358/2014 financiados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT); e parcialmente financiado por UIDB/04423/2020 and UIDP/04423/2020 pela FCT e European Regional Development Fund, como parte do programa PT2020.