Uma equipa do i3S – Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto acaba de publicar um artigo em que descreve uma via molecular determinante para a patogenicidade da Listeria monocytogenes, a bactéria infecciosa de origem alimentar que mais mortes causa atualmente na Europa. Segundo o trabalho, o gene denominado MouR regula vários processos fundamentais à infeção, nomeadamente a capacidade de formação de biofilmes e a proliferação das bactérias dentro do hospedeiro. Estão assim abertas novas hipóteses para um combate mais eficaz à infeção por Listeria.
Apesar de listeriose ser um termo desconhecido para a maioria, esta é a infeção de origem alimentar com consequências mais graves nos países desenvolvidos. Alimentos manipulados inapropriadamente, ou mesmo frigoríficos pouco cuidados, são a fonte perfeita para a contaminação. O maior risco é para pessoas imunodeprimidas ou idosas, mas o maior impacto é, sem dúvida, na gravidez. Em Portugal, o ultimo surto de listeriose declarado foi associado ao consumo de um queijo específico e causou infeções graves em 30 pessoas, 11 das quais não sobreviveram. Recentemente, o maior surto reportado ocorreu na África do Sul tendo sido alvo de notícia pelo número de mortes que causou: mil casos detetados, 200 mortes registadas.
O trabalho agora publicado pela equipa do i3S na revista Nucleic Acids Research (NAR), da Universidade de Oxford (Reno Unido), demonstra que o gene MouR é responsável por uma adaptação radical da bactéria Listeria monocytogenes. De facto esta bactéria, apesar de muito comum no ambiente, adapta-se e transforma-se “num patogénico letal, pronto para vencer as condições hostis do trato digestivo humano e invadir o nosso organismo, ultrapassando as nossas defesas e barreiras”, explica Didier Cabanes, coordenador do estudo.
O investigador adianta que “há muito que a equipa tenta descobrir como é que a Listeria adquire esta patogenicidade e, neste trabalho, não só descrevemos o elemento regulador do processo como o caracterizámos estruturalmente, abrindo portas ao desenho de novas abordagens terapêuticas”.
As bactérias patogénicas dependem de um arsenal de genes que determinam o seu grau patogenicidade, ou seja, a sua capacidade para infetar com sucesso o hospedeiro. Esses genes estão relacionados com funções cruciais, tais como a capacidade de invasão, de aproveitamento nutricional, ou até mesmo de enganarem o sistema imunológico do hospedeiro. Quanto as bactérias estão num ambiente onde não necessitem desses mecanismos de infeção, mantêm-nos inativos numa lógica de economia de recursos. Porém, ao entrarem num novo ambiente, ativam um conjunto de cadeias regulatórias a nível genético para rapidamente responderem às novas condições. Para combater este tipo de infeções é, por isso, crucial conhecer os mecanismos que levam à transformação de uma bactéria ambiental num agente infeccioso. No caso da Listeria, segundo o trabalho, o regulador MouR está no centro desta transformação: promove a formação de biofilmes no trato intestinal do hospedeiro, desencadeia um conjunto de mecanismos que lhes permite ludibriar o nosso sistema imunológico e estimula a capacidade proliferativa da bactéria.
Como afirma Jorge Pinheiro, primeiro autor do estudo, “demonstramos que o MouR controla vários genes essenciais à sobrevivência da Listeria no nosso organismo e ao sucesso do processo infeccioso”. Esta descoberta tem impacto não só no estudo desta infeção em concreto, como poderá servir de modelo para a compreensão de outras infeções que poderão depender do controlo da mesma via de regulação genética.