Os psicólogos podem e devem ser ouvidos no debate em torno da legalização da eutanásia e do suicídio assistido e intervir sempre que alguém manifeste o desejo de morrer. As conclusões são de Miguel Ricou, psicólogo e investigador do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, e de Tony Wainwright, investigador da Universidade de Exeter, no Reino Unido.
O estudo, que será publicado na revista científica European Psychologist, salienta que “o sofrimento é capaz de transformar as pessoas, mas, para que isso aconteça, tem de haver capacidade de adaptação”. Contudo, “há casos em que o sofrimento é tão profundo que não se perspetiva a possibilidade de adaptação, pelo que negar o direito a morrer pode ser perpetuar o sofrimento da pessoa”.
Neste enquadramento, o que mais preocupa os investigadores na área da Psicologia é a inexistência de evidência científica que permita distinguir as pessoas que vão conseguir ajustar-se ao sofrimento, embora manifestem o desejo de morrer num determinado momento, das que viverão em sofrimento psicológico constante.
“Uma das decisões mais difíceis de tomar por parte de um profissional de saúde é saber se a eutanásia é do melhor interesse do paciente. Ou seja, se um paciente que pede para morrer está efetivamente a tomar uma decisão informada e definitiva e se essa decisão representa de facto o seu melhor interesse. Os psicólogos serão, sem dúvida, os profissionais mais capacitados para o fazer”, defende Miguel Ricou, que é também professora na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), adiantando que os psicólogos devem assumir um papel de avaliação e orientação. No entanto, mesmo nos países onde a prática da eutanásia se encontra legalizada, os profissionais de psicologia não estão a ser chamados a intervir.
Um estudo anterior, na área do suicídio, também assinado pelo investigador do CINTESIS, demonstrou que há alguns fatores que aumentam a probabilidade de as pessoas atentarem contra a sua vida. “O desejo de morrer parece estar associado a uma menor religiosidade, menor capacidade funcional, mais dor, falta de suporte social e familiar e sentimento de perda de dignidade”, relata o especialista em Psicologia, explicando que os quadros depressivos e a perceção de que se é um peso para os outros também contribuem para a manifestação de vontade de morrer. “Alguém que pondere terminar com a vida enfrenta a mais importante decisão que um ser humano pode tomar. Os psicólogos precisam de se tornar presentes nestas tomadas de decisão”, lê-se no estudo.
Dadas as dimensões psicológicas envolvidas neste tipo de decisão, os investigadores defendem que os psicólogos devem ser chamados a contribuir para o atual debate em torno da legalização da eutanásia que decorre na sociedade portuguesa. Mais, a legislação deve ser baseada muito mais em evidência científica e menos em valores pessoais. O que está em causa é o melhor interesse da pessoa doente. Posteriormente, estes profissionais devem ocupar um papel no terreno, junto dos pacientes que requerem a morte antecipada, junto das suas famílias e, possivelmente, junto de outros profissionais que eventualmente estejam envolvidos no processo, independentemente de existir ou não uma mudança na lei.
“Os psicólogos devem avaliar as caraterísticas da personalidade ou outros fatores que possam estar a catalisar ou a inibir o pedido antecipado de morte”, sumarizam os autores, salientando que esses profissionais devem receber treino específico para prestarem aconselhamento no âmbito dos processos de pedido de morte antecipada.