É uma patologia “rara”, “muito complexa” e “tipicamente portuguesa”. O nome científico da doença é Polineuropatia Amiloidótica Familiar (PAF) mas é vulgarmente conhecida como “a Doença dos Pezinhos”. Identificada pela primeira vez em Portugal na área da Póvoa de Varzim, sabe-se agora que mais de metade dos concelhos do país (58%) registaram casos nos últimos anos, numa abrangência que atinge já os concelhos do centro e sul.
Maria do Carmo Vilas-Boas, estudante do Programa Doutoral em Engenharia Biomédica da Faculdade de Engenharia da U.Porto (FEUP), interessou-se por esta temática depois de ter conhecido alguns doentes que eram acompanhados pela equipa da Unidade Corino de Andrade do Hospital de Santo António, no Porto. “O contacto com esta doença e a população doente fascinou-me”, explica a investigadora. E acabou por ser o tema escolhido para desenvolver a sua tese de doutoramento.
Desde 2014 que uma equipa de investigadores da FEUP e do Hospital de Santo António (Porto) têm unido esforços com o objetivo de estudar e tentar descrever a marcha dos doentes e tudo o que tem a ver com a sua função motora para poder prever e/ou atrasar a evolução da doença e aumentar os níveis de qualidade de vida dos pacientes. Os investigadores pretendem criar uma ferramenta que auxilie no diagnóstico precoce dos sintomas e prevenir a perda da funcionalidade motora. “O meu principal objetivo é contribuir para que seja possível viver melhor com a doença, invertendo a estigmatização que os pacientes sentem, de modo a não sentirem necessidade de recorrer a métodos de reprodução medicamente assistida, entre outros”, admite Maria do Carmo Vilas-Boas.
“Fui percebendo que a doença nunca tinha sido estudada a nível motor. O mesmo é dizer que não conhecemos a forma como é alterada a função motora dos doentes (que começam a andar de uma forma característica e com muitas dificuldades) que evolui progressivamente até precisarem de apoio (moletas ou bengala), cadeira de rodas e finalmente ficarem acamados. Nunca se estudaram os sapatos e instrumentos de apoio mais adequados, nem mesmo a possibilidade de desenvolvimento de um programa de reabilitação ou deteção precoce dos sintomas motores”, enfatiza a jovem investigadora da FEUP.
A “Doença dos Pezinhos” é uma amiloidose sistémica hereditária, de transmissão autossómica dominante, com início na idade adulta, progressiva, incapacitante e fatal. Em Portugal, a idade média de incidência da doença foi calculada em 35 anos, sendo que 89% dos doentes apresentam os primeiros sintomas antes dos 40 anos.
Um estudo recentemente divulgado e que foi o vencedor do Prémio de Investigação Científica Professora Doutora Maria Odette Santos-Ferreira, atribuído em setembro de 2016, revelou a existência de 2.013 doentes em Portugal. Em 25 concelhos (15%) a paramiloidose já não é uma doença rara e só na área da Póvoa do Varzim/Vila do Conde a sua prevalência mais do que duplicou (aumento de 125%) em menos de 30 anos.
Até ao momento, o que se sabe sobre esta doença é que não tem cura, é progressiva e não reversível e o fármaco disponível neste momento no mercado atrasa a evolução da doença, “mas às vezes só depois de já haver dificuldades motoras e sensitivas instaladas. Para além de que há doentes que não respondem à medicação”, esclarece Maria do Carmo Vilas-Boas. As alternativas para estes doentes passam, por isso, pelo transplante hepático e a entrada em ensaios clínicos para avaliação de outros medicamentos.
Denominado “FAPMOVE – Avaliação dos danos motores na Polineuropatia Amiloidótica Familiar”, o projeto propõe uma abordagem inédita, ainda não explorada, por isso não se sabe ainda se podemos estar perante uma nova forma de travar a evolução da doença. Os primeiros dados para este estudo, que se prevê finalizar em julho de 2018, foram recolhidos através de avaliações feitas a 21 doentes, no Hospital de Santo António e no Laboratório de Biomecânica do Porto – LABIOMEP, com recurso a diferentes equipamentos quantitativos. Num futuro próximo, o objetivo passa por avaliar mais doentes de uma forma relativamente continuada, de forma a conseguir um estudo estatisticamente expressivo. Uma vez que os exames são caros, os investigadores não excluem a hipótese de recorrer a apoio financeiro da parte de patrocinadores que tenham interesse nestas áreas. Além de Maria do Carmo Vilas-Boas, a equipa integra ainda João Paulo Cunha, professor da FEUP e investigador do INESC TEC e Teresa Coelho, neurologista do Hospital de Santo António, ambos orientadores do trabalho de investigação em curso.