Natural de Espinho, Sandra Tavares foi a segunda pessoa da família paterna a tirar uma licenciatura, a primeira numa universidade pública. “Não havia outra opção. Os meus pais foram sempre operários fabris e, no início do meu secundário, o meu pai ficou desempregado. Ou era a pública ou era o fim dos estudos”, conta.

Licenciou-se em Bioquímica, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, e decidiu seguir o caminho científico: “Fascinava-me a forma como o corpo humano funcionava”. A partir daí o percurso foi construído com «trabalho árduo e mérito». «Com o meu contexto familiar, a minha rede de influência era fraquíssima», justifica.

Sandra Tavares começou por trabalhar no ITQB, em Oeiras, em Biorremediação, mas, ao fim de poucos meses, percebeu que o que verdadeiramente a entusiasmava era Biologia do Cancro. E, por isso, voltou ao Porto para fazer o mestrado na área do melanoma, mais concretamente ao Ipatimup, ao grupo da investigadora Paula Soares. Terminado o mestrado, Sandra Tavares foi selecionada para o programa doutoral do Instituto Gulbenkian de Ciência.

As opções para trabalhar em Cancro não eram muitas, mas a investigadora não estava disposta a desistir: “O universo devia estar a testar a minha motivação, mas eu estava firme. Sabia o que queria, e era fazer investigação em Cancro”. A oportunidade de fazer o doutoramento no laboratório da investigadora Florence Janody, na altura no IGC, surgiu logo a seguir. “Foram cinco anos gloriosos. Fui mesmo feliz, cientificamente e socialmente. Nada me dava mais prazer do que acabar o trabalho no laboratório à sexta-feira, beber uma cerveja com os colegas na esplanada do IGC e depois seguir para a vida noturna de Lisboa. Trabalhei muito, mas também dancei muito. “Work hard, play harder, no seu melhor, recorda.

Concluído o doutoramento, Sandra Tavares seguiu para Utrecht, nos Países Baixos. Queria saber mais sobre o subtipo mais agressivo de cancro da mama. “Para além de ter aprendido muito cientificamente, percebi que a nossa Ciência tem a mesma qualidade. Mas também percebi que lá há oportunidade para experimentar e errar. Cá em Portugal, por causa da falta de financiamento, não há espaço para o erro. E assim, sinto que se podem perder oportunidades para inovar mais”, afirma.

Em novembro de 2021, Sandra Tavares voltou para Portugal, para o Porto, e para o grupo da investigadora Florence Janody, que, entretanto, também se mudou para o Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S). Em março deste ano, foi uma das quatro cientistas distinguidas com as Medalhas de Honra L’Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência 2021 com um projeto que visa desenvolver terapias contra o cancro da mama triplo negativo mais eficazes e menos tóxicas. Sempre com o objetivo de “tornar mais fácil a vida dos outros”.

Licenciada em Biologia pela FCUP, Sandra Tavares regressou à U.Porto em 2021 para integrar o grupo de investigação em «Cytoskeletal Regulation & Cancer» do i3S. (Foto: DR)

Naturalidade? Espinho

Idade? 35 anos

– Do que mais gosta na Universidade do Porto?

Eu voltei recentemente a Portugal e à UP. Mas quando deixei a FCUP há 14 anos atrás, levei comigo o orgulho de ter estudado na UP. E agora que tenho duas sobrinhas a estudar cá, vejo que o espírito não se alterou. Acho que o facto de termos uma comunidade muito grande, espalhada pela cidade, mas que é capaz de manter tradições e uma identidade colectiva que nos une a todos, é o que mais gosto. No fundo, é o sentimento de comunidade.

– Do que menos gosta na Universidade do Porto?

Do que vejo, agora que chego, acho que o ensino tinha ainda muito potencial para melhorar. Acho que podia existir um maior esforço para integrar os nossos melhores investigadores para ensinar na sua área de investigação. Porque o entusiasmo dos jovens investigadores contagiaria os estudantes e estes seriam formados com conteúdos programáticos state-of-the-art. O que nem sempre acontece com professores mais estabelecidos.

– Uma ideia para melhorar a Universidade do Porto? 

Diminuir a formalidade no tratamento entre os elementos que a compõem. Acho que ainda se alimenta muito a relação hierárquica entre pessoas, e isso dificulta a comunicação e a resolução de problemas.

– Como prefere passar os tempos livres?

Adoro cinema, em particular cinema europeu. Mas, nos últimos tempos, quis educar-me mais em cinema americano antigo e estou a adorar redescobrir o valor de uma história bem contada e a criatividade para responder a desafios que agora as tecnologias digitais resolvem.

Gosto também de caminhar pela cidade e tentar descobrir as diferenças entre o Porto que deixei e o Porto de agora. A cidade está tão linda.

– Um livro preferido?

«O Crime do Padre Amaro». Adoro o Eça e a forma como na escrita dele nada é o que parece e o humor está sempre presente. Infelizmente, ao longo dos tempos estabeleceu-se a ideia de que a introdução do humor torna os assuntos ou as pessoas menos relevantes. E o Eça é o perfeito exemplo de que isso não faz sentido nenhum.

Quando ainda era miúda percebi que adorava ler, mas que tinha que ser inteligente na forma como escolhia os livros que ia ler. Não dá para ler tudo o que está na moda. Há muitos livros, o tempo é curto, eu tinha que ser estratégica para não desperdiçar tempo. Então decidi ler autores contemporâneos premiados e grandes clássicos alternadamente. Foi o que fiz de melhor. Tenho passado a minha vida acompanhada por Saramago, irmãs Bronte, Jane Austen, Eça, Pessoa e Victor Hugo. Agora que vejo, isto dava uma ótima guest-list para jantar…e gender balanced.

– Um disco/músico preferido?

Sou fã de Sting e Stevie Wonder. Mas o meu álbum favorito desde que saiu é o «Lemonade», da Beyonce.

– Um prato preferido?

Neste momento é sushi. Cá em casa, sempre que temos motivos para comemorar, vamos ao sushi. Então, é um “prato” que tem sempre associada uma grande dose de alegria.

– Um filme preferido?

Alice, de Marco Martins. O filme está muito bem filmado numa Lisboa azul e cinzenta que poucos conhecem. O elenco é maravilhoso, especialmente o Nuno Lopes, que está sublime. É uma história que nos vai moendo por dentro porque lentamente percebemos que aquele é um retrato do que nos aconteceria se estivéssemos no lugar de quem tem um filho desaparecido. Quando eu vi o filme, sabia que as cenas da cidade tinham sido gravadas sem as pessoas saberem que era um filme, eram quase documentais, e perturbou-me muito. Tive uma reação tão profunda ao filme que ainda não o consegui ver novamente.

Recomendo muito!

– Uma viagem de sonho?

Sempre quis ir à Rússia, a São Petersburgo. E já fui! e adorei.

Mas depois de apaixonar-me por elefantes ao vê-los no Sri Lanka, quero ir ao Serengeti para ver girafas. Antes que desapareçam…

(Foto: DR)

– Um objetivo de vida?

Quero que a minha vida torne mais fácil a vida de outros.

– Uma inspiração?

Eu tenho aprendido imenso com a Florence Janody (PhD supervisor) e com o Patrick (Post-Doc supervisor). E não falo em Ciência, mas em formas de estar e lutar pelo nosso espaço. Mas a Raquel Seruca foi a pessoa que, desde que eu estava a fazer o meu mestrado no IPATIMUP, eu via e pensava: “Quando eu for grande quero ser como tu”. Há pessoas que mudam a energia de uma sala logo ao abrir da porta, a Raquel é assim. E ao ver a sua personalidade tão expansiva (e com tanto sucesso!) num contexto tão frio e sério fez-me ver que também podia haver lugar para mim.

– O projeto da sua vida…

A minha própria vida. Quero desenvolver mais a minha autocrítica para perceber onde melhorar, e trabalhar nisso. Quero ser melhor em Ciência, modo de vida sustentável, saúde, interação com a minha família, etc…

Não quero soar muito self-centered, mas acho mesmo que não faz sentido querer mudar o mundo se não quisermos olhar e arrumar o nosso próprio “lado lunar”.

– Uma ideia para promover a investigação da U.Porto a nível internacional?

Concursos para Travel grants para os melhores meetings internacionais. Nem todos os grupos têm recursos para o fazer. Temos que ir mais a conferências onde os líderes de cada área apresentam os seus trabalhos que ainda não estão publicados. Temos que tentar interagir com eles nesse contexto e estabelecer colaborações. Assim, seremos influenciados e a nossa ciência será mais relevante internacionalmente ainda mais cedo no tempo.