Foi sob a influência dos “cheiros” que o pai levava para casa, primeiro de uma empresa de tintas e depois de uma fábrica têxtil, e do avô, que era ourives e o deixava “transformar” materiais, que Mário Barbosa desde cedo tentou associar a química com a metalurgia. Entrou no curso de Engenharia Química da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), mas acabou por licenciar-se em Engenharia Metalúrgica. “Acabei o curso com 21 anos, mas aos 20 já era monitor na FEUP.  Não tenho problema nenhum de dizer que sempre trabalhei muito, como estudante e também profissionalmente”, apresenta-se. O facto de ser o primeiro de cinco filhos, de a mãe ter deixado de lecionar depois de ter os filhos, e apenas o pai trabalhar, “fez crescer em mim um grande sentido de responsabilidade”, explica.

Dois anos depois de ter terminado o curso, partiu para Leeds para fazer o doutoramento em Ciência de Materiais. Ficaria quatro anos em Inglaterra, primeiro sozinho, depois com a mulher e os filhos. “Não sabia nada sobre corrosão, mas achava que devia aprender.  Tentei ler livros, mas eram aborrecidos. Apenas um me pareceu super-interessante e pedi a um professor do departamento de Minas da FEUP para escrever ao autor – John Scully – e perguntar se podia fazer o doutoramento com ele. Ele respondeu que sim e fui”, recorda Mário Barbosa. Em Leeds, nasceu o seu terceiro filho, fez teatro, fundou uma associação luso-britânica  e criou, na Associação de Estudantes, uma secção de portugueses residentes em Inglaterra . Fez amigos para toda a vida.

De regresso a Portugal, voltou à carreira universitária e começou a fazer alguns trabalhos de investigação para a indústria. Até que a  dada altura, “achei que poderia ser interessante associar o estudo dos aços inoxidáveis  à medicina”. Começava aqui a dar os primeiros passos na Engenharia Biomédica. “Comecei por analisar materiais para um ortopedista do Hospital de Santo António e mais tarde submeti à JNICT um projeto sobre infeções tardias após a colocação de próteses”.

Para ser-se grande, deve-se estar entre os grandes, diz a sabedoria. Mário Barbosa sempre esteve. A começar pela imunologista Maria de Sousa, com quem começou a trabalhar pouco tempo depois de ter voltado à U.Porto. Mas não só. Durante o 1.º Encontro Nacional de Engenharia Biomédica, realizado em 1988, conheceu Nuno Grande, o histórico professor do ICBAS que, mais tarde, o desafiou, na qualidade de pró-reitor da Universidade, a ser um dos fundadores do INEB, o primeiro instituto de engenharia biomédica português .

“O INEB (hoje integrado no i3S) foi criado em 1989 com o apoio claro do então reitor da Universidade do Porto, Alberto Amaral . Surgiu para derrubar barreiras, era uma estrutura transversal à universidade”, sublinha Mário Barbosa. De resto, “o i3S é o culminar desta ideia de que devemos juntar as pessoas à volta de objetivos”. Liderou o INEB durante 12 anos e foi o primeiro diretor do i3S, de 2015 até ao final de 2019, valendo-se sempre da lição de vida que lhe deixou a mãe: “Unir as pessoas, procurar consensos e tentar o equilíbrio”.

Mário Barbosa liderou os destinos do i3S entre 2015 e 2019. (Foto: Egidio Santos/U.Porto)

Durante a sua carreira científica, Mário Barbosa assumiu um papel de referência no lançamento de programas doutorais, criação de cursos intensivos europeus e de vários cursos avançados e organização de várias conferências internacionais na área dos biomateriais. Foi também membro do Conselho Diretivo da Sociedade Europeia de Biomateriais (1991-1995) e presidente da Comissão de Prémios desta sociedade científica (2007-2013), Presidente da JNICT – Junta Nacional para a Investigação Científica e Tecnológica (1992 a 1994) e Presidente do Conselho Científico de Ciências da Engenharia da FCT (de 2002 a 2005).

Atualmente, é Professor catedrático no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), lidera o grupo de investigação «Microenvironments for New Therapies» no i3S, é diretor do programa doutoral Biotecnologia Molecular e Celular Aplicada às Ciências da Saúde, do ICBAS, e foi recentemente eleito Secretário da União Internacional das Sociedades de Ciência e Engenharia de Biomateriais.

Mário Barbosa recebeu vários prémios ao longo da sua carreira. Entre eles, destacam-se o «George Winter Award», atribuído pela Sociedade Europeia de Biomateriais (ESB), que distingue a excelência do trabalho desenvolvido por um investigador consagrado e, mais recentemente, o Prémio Klaas de Groot 2020, também conferido pela ESB.

 Naturalidade? Azurara, Vila do Conde

Idade? 69 anos

– Do que mais gosta na Universidade do Porto?
Das pessoas que foram ou são exemplo de vida e do Porto (com ponto).

– Do que menos gosta na Universidade do Porto?
Tenho mesmo que dizer? É que não penso nisso…

– Uma ideia para melhorar a Universidade do Porto? 
Inspirarmo-nos em Corino de Andrade (investigação), Nuno Grande (cidadania) e Alberto Amaral (visão universitária)

– Como prefere passar os tempos livres?
Sem relógio. Tiro-o para pescar, cozinhar e escrever.

– Um livro preferido?
Os poemas de Eugénio de Andrade, pela beleza das palavras certeiras. A Morte de um Apicultor (Lars Gustafsson), porque “não nos rendemos. Recomeçamos. Podemos sempre esperar”

– Um disco/músico preferido?
Norah Jones, sobretudo porque “lines on your face don’t bother me”

– Um prato preferido?
Bacalhau à Gomes de Sá, feito por mim, segundo receita original do próprio, dada por um amigo meu que amava a vida e achava a universidade um lugar mal frequentado.

– Um filme preferido?
O velhinho “Solaris” de Andrei Tarkovski, pelo lado emocional de uma história de ficção científica, cuja ação decorre no interior de uma estação espacial.

– Uma viagem de sonho?
Ontem ou amanhã: Açores. Açores, sempre.

– Um objetivo de vida?
Não apagar dela os pontos de interrogação.

– Uma inspiração?
O rigor do meu pai e a doçura da minha mãe.

– O projeto da sua vida…
A nível universitário: o i3S, mesmo quando não sabia que teria este nome. No início, imaginava que cada um traria o que de melhor tinha numa caravana. Agora, percebo que algumas paredes são úteis.

– Uma ideia para promover a investigação da U.Porto a nível internacional?
Fazermos melhores perguntas do que os outros, aceitando que muitas delas não terão resposta.