O objetivo é só um: perceber como acontece para poder prevenir. Combater desta forma a doença, para conseguir «fintar» sentenças ditadas por genes malditos. Carla Oliveira dedicou toda a sua vida profissional à investigação em Saúde, nomeadamente ao estudo de doentes e famílias com cancro gástrico hereditário de tipo difuso (HDGC). A sua maior contribuição para a Ciência, diz, foi ter descoberto que a síndrome HDGC é causada por grandes deleções de um gene específico, o CDH1. Isto alterou o diagnóstico desta doença em todo o mundo. E o facto de “conseguir salvar vidas”, confessa a investigadora do Instituto de Investigação em Saúde da Universidade do Porto (i3S), “deixa-me com o sentimento de dever cumprido”. Como aconteceu ainda há pouco tempo quando, “numa conferência, no momento dedicado às perguntas, uma jovem pediu a palavra para me dizer: «Queria agradecer-lhe porque estou viva por sua causa». Chorámos as duas”.

Natural de uma aldeia do concelho de Tondela, Carla Oliveira licenciou-se em Bioquímica na Universidade de Coimbra e doutorou-se na Faculdade de Medicina da U.Porto (FMUP), enquanto estudante do programa GABBA. Fez o doutoramento entre o Ipatimup (que agora integra o i3S) e a Universidade de Cambridge, no Reino Unido. Seguiram-se dois Pós-Docs, o último deles na Universidade de British Columbia, Vancouver, no Canadá, antes de regressar ao Ipatimup como Investigadora Auxiliar contratada. Em 2011, rumou ao Max Planck Institute for Developmental Biology em Tubingen, na Alemanha. Regressou um ano depois ao Ipatimup e, em 2013, assumiu a liderança do grupo de investigação «Expression Regulation in Cancer» e fundou, em colaboração com elementos do seu grupo, a Empresa de Bioinformática «Bioinf2Bio».

Autora de mais de 150 artigos científicos, soma vários capítulos de livros sobre cancro gastrointestinal familiar e esporádico, mais de 15 mil citações, a que se junta a participação em dezenas de projetos de investigação financiados por fundos públicos ou da Indústria, nacionais e Internacionais. Na Ciência, move-a conseguir ter impacto na vida das pessoas. Na Ciência, e não só. Professora Afiliada da FMUP desde 2006, participa regularmente no ensino pós-graduado a estudantes de Doutoramento e Mestrado da U.Porto, bem como das universidades de Lisboa, Aveiro e Minho. Em paralelo com a docência, é consultora e responsável pelo diagnóstico genético de cancro gástrico familiar no IPATIMUP Diagnósticos, desde 2005.

Atualmente, Carla Oliveira é Secretária Geral do Conselho Executivo da Sociedade Europeia de Genética Humana (ESHG) e membro do seu Comité Científico, da Infraestrutura GenomePT e da Marie Skłodowska-Curie Innovative Training Networks ITN TRAIN-EV. Coordena ainda o Comité Científico da Sociedade Portuguesa de Genética Humana. Está identificada como a expert em “cancro gástrico hereditário de tipo difuso” pela Rede Europeia de Referência (ERN) GENTURIS, onde representa Portugal e a Europa neste tema. Lidera também um projeto nesta área no consórcio SolveRD, financiado pela EU, e é membro do Grupo de Tumores Hereditários em Portugal, que recentemente lançou o Portal do Cancro Hereditário liderado pela Sociedade Portuguesa de Oncologia.

Carla Oliveira é ainda membro da Comissão de Implementação da Estratégia Nacional para a Medicina Genómica, que representa Portugal na iniciativa 1+MG, e que pretende sequenciar mais de 10% da população Portuguesa, contribuindo assim para o mapeamento do genoma Português na Europa (PT_MedGen). Com o objetivo de estar perto dos doentes, colabora regularmente com as associações de doentes EVITA (Portugal) e a «No Stomach for Cancer» (USA). Recentemente, a investigadora do i3S, e a sua equipa multi-institucional, venceram o «Prémio Alfredo Silva de Investigação Científica» na área da sustentabilidade de sistemas de saúde.

Tudo somado, sobra ainda tempo para dedicar à família e, em especial aos filhos, os quais, diz, só quer que “sejam felizes! E que sejam livres, principalmente livres de pensar”. “Procuro mostrar-lhes a beleza que existe na arte e no contacto com o outro. Também faço questão que conheçam as suas origens. Por isso, passam longos períodos com os avós e trabalham com eles no campo e na pesca”. No fundo, é exatamente aquilo que a motiva profissionalmente: perceber como tudo funciona, para poder fazer algo.

Naturalidade? Santa Ovaia de Cima, Tondela

Idade? 48 anos

– Do que mais gosta na Universidade do Porto?

Gosto das pessoas que fazem a Universidade do Porto. Gosto da pureza e espontaneidade que persiste acima dos bastidores no norte do país, embora o preço a pagar por isso seja demasiado elevado…

– Do que menos gosta na Universidade do Porto?

De assistir ao envelhecimento dos meus pares e ao meu num mesmo espaço físico e geográfico.

Sempre gostei de coisas novas, mas guardo todas as velhas no sótão. Assim, posso esquecer-me delas. Depois, parecem-me novas sempre que as redescubro, anos mais tarde.

As pessoas, como as coisas, devem persistir novas, não na idade mas aos nossos olhos.

– Uma ideia para melhorar a Universidade do Porto? 

Tenho várias ideias, sendo a mais recorrente o aporte de conhecimento sempre novo aos alunos, numa base de conceitos fundamentais bem consolidados. Preocupa-me o imediatismo do conhecimento e das relações humanas atuais. Resisto estoicamente ao Facebook, Twitter e Instagram. Preocupa-me que as pessoas se sintam melhor atrás de um ecrã do que em frente a outro ser humano. Preocupa-me que a universidade se transforme numa continuação do ensino secundário, e que o pensamento crítico não seja o primeiro mandamento do ensino pós-graduado.

Penso que a Universidade do Porto pode melhorar se fizer bom uso da excecional massa crítica de investigadores a professores-investigadores a ela associados, e se estimular a aprendizagem através do “fazer”, do “procurar”, do “descobrir” e do “aplicar”.

– Como prefere passar os tempos livres?

Gosto de ler, e se fico agarrada a um livro, não me interessa onde estou. Se não estiver a ler, gosto de viajar de duas maneiras, pode ser através do cinema e da música ou através das pessoas e dos lugares. Como a segunda está difícil de concretizar tenho sido mais assídua na primeira. Gosto de ar livre, de trabalhar no campo, de reconstruir coisas e de encontrar pessoas por acaso. Gosto de cozinhar, conversar, costurar, comer, caminhar e de dar beijos e abraços.

– Um livro preferido?

Gosto de “CRIME”. Mas o livro “Ensaio sobre a cegueira”, de José Saramago, foi até hoje a mais magnífica obra que passou pelos meus olhos.

– Um disco/músico preferido?

Gosto muito de música e é difícil escolher. Em pé de igualdade poria Leonard Cohen, Lou Reed, Carlos do Carmo e Amália. Em grande parte porque todos têm “uma voz com textura”, como diria a minha filha.

– Um prato preferido?

Arroz de polvo malandrinho.

– Um filme preferido?

“Os outros”.

– Uma viagem de sonho? 

Realizada: Nova Zelândia, pela imponência da natureza, que torna os seres humanos magníficos naquelas paragens.

Por realizar: Argentina, para satisfazer a vontade que tenho de dançar um tango na rua.

– Um objetivo de vida?

Ser feliz.

– Uma inspiração?

Os meus pais.

– O projeto da sua vida…

Os meus filhos.

– Uma ideia para promover a investigação da U.Porto a nível internacional?

A ciência que se faz na Universidade do Porto, nas suas Faculdades e nos seus Institutos está neste momento ao nível da melhor ciência internacional. Penso que, para manter este nível de qualidade, a UP tem que trazer mais visões de fora, para dentro da universidade. Parecendo um contrassenso, esta é, na minha perspetiva, a forma de internacionalizar a investigação da UP.  A incorporação de cientistas vindos de fora traz um leque de interações novas, se o seu recrutamento assentar em parte na sua internacionalização e na sua capacidade de networking. Por outro lado, o trabalho de divulgadores de ciência é essencial se estes forem capazes de contar a história das descobertas dos nossos cientistas da mesma forma apaixonada, com que os cientistas escrevem os seus melhores resultados científicos.