O comportamento humano mudou drasticamente durante os confinamentos nos primeiros meses da pandemia global de COVID-19, o que resultou em alterações comportamentais dos mamíferos terrestres. A conclusão consta de um estudo que acaba de ser publicado na prestigiada revista Science por uma equipa internacional na qual participou João Paulo Silva, investigador do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (BIOPOLIS-CIBIO) da Universidade do Porto.

Durante os primeiros confinamentos surgiram muitos relatos nos meios de comunicação social de que a natureza estava a recuperar e que, por exemplo, os pumas estavam a vaguear pelas ruas de Santiago do Chile. Perante isto, os cientistas questionaram se existiam algumas provas destas alterações comportamentais ou o que estava a acontecer se devia ao facto de as pessoas estarem simplesmente a prestar mais atenção a tudo durante o período que estavam em casa.

No estudo agora publicado foram recolhidos dados sobre os movimentos de 43 espécies diferentes de mamíferos terrestres de todo o mundo, monitorizados por dispositivos GPS. No total, foram incluídos mais de 2300 indivíduos: desde elefantes e girafas a ursos e veados.

Depois, os investigadores compararam os movimentos dos mamíferos durante o primeiro período de confinamento, de janeiro a meados de maio de 2020, com os movimentos durante os mesmos meses do ano anterior.

Durante os confinamentos com mais restrições, os animais percorreram distâncias até 73% mais longas num período de 10 dias do que no ano anterior. Também se verificou que os animais se encontravam, em média, 36% mais perto das estradas do que no ano anterior.

“Isto deve-se provavelmente ao facto de essas estradas estarem menos movimentadas durante os confinamentos rigorosos”, refere Marlee Tucker, investigadora da Universidade de Radboud e primeira autora do estudo.

Alces invadindo locais limitados por cercas (Foto: Mark Gocke)

Animais respondem às alterações da atividade humana

A existência de menos pessoas no exterior durante os confinamentos rigorosos deu a oportunidade aos animais para explorar novas áreas. Em contrapartida, nas zonas com confinamentos menos restritivos, os animais percorriam distâncias mais curtas. Isto pode ter a ver com o facto de, durante esses confinamentos, as pessoas serem encorajadas a irem para a natureza e algumas áreas naturais estavam mesmo mais ocupadas do que antes da COVID-19.

“As restrições do COVID representaram uma oportunidade única para, à escala global, avaliar o efeito quotidiano que as atividades humanas têm no comportamento espacial dos mamíferos. A nossa investigação demonstrou que os animais respondem rapidamente às alterações da atividade humana, ocupando áreas que habitualmente são mais perturbadas”, refere João Paulo Silva.

Para Marlee Tucker, isto traz-nos esperança para o futuro, porque, em princípio, significa que fazer alguns ajustamentos ao nosso próprio comportamento pode ter um efeito positivo nos animais selvagens”.