Quantas pessoas podem dizer que fazem aquilo com que sempre sonharam? Joana Neto Lima, 37 anos, é uma delas. Natural da Maia, esta cientista planetária licenciou-se em Ciências do Meio Aquático no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da U. Porto, em 2014 e, foi nas aulas de química ambiental que definiu o percurso que tem seguido até hoje.

Decidida a “apostar numa carreira de investigação”, Joana não hesitou quando, estando prestes a concluir o curso, surgiu a oportunidade de realizar um estágio no Departamento de Planetologia e habitabilidade do Centro de Astrobiologia INTA – CSIC, em Madrid. Esta acabaria por ser a sua “casa” nos anos seguintes, bem como a rampa de lançamento para colaborar em várias das missões espaciais da NASA.

Mais recentemente, Joana Neto Lima foi um dos cientistas envolvidos num conjunto de estudos de Espectografia que permitirão interpretar os dados recolhidos pelo Perseverance, o veículo autónomo da NASA que chegou a Marte no passado dia 18 de fevereiro,  com a missão de procurar sinais de vida e avaliar a possibilidade de habitabilidade no «planeta vermelho». O objetivo passa por obter uma espécie de “impressão digital” (ou “ADN”) que, em comparação com amostras terrestres, permita saber que tipos de condições ambientais originaram determinados minerais existentes em Marte.

Depois de vários anos em Espanha, Joana Neto Lima regressou recentemente a Portugal. E mesmo que o caminho mais provável passe por “sair novamente   do meu país”, a cientista portuguesa não esconde o sonho: “Talvez daqui a mais uns anos possa regressar e fazer parte de uma equipa portuguesa de ciências planetárias multidisciplinar que conseguirá competir e aliar-se com outras equipas internacionais de instituições tradicionalmente envolvidas na exploração espacial/planetária”.

– O que te motivou a ir para Madrid?

Em 2013, decidi voltar ao ICBAS para terminar a minha formação académica, que havia abandonado devido à crise económica. Nesse ano, e devido aos desafios para os jovens licenciados encontrarem trabalho, a Comissão Europeia criou uma nova modalidade de ERASMUS, chamada ERASMUS + Internship para quem terminava os seus ciclos de estudo, e eu decidi arriscar tentando seguir uma área de estudos que me fascinava desde que era pequena.

O que me motivou a sair do nosso país, é um pouco o que motiva muitos dos que pretendem apostar numa carreira de investigação, que é acrónica e inultrapassável falta de oportunidades sobretudo em áreas pioneiras como são as ciências planetárias e astrobiologia.

– Como surgiu a oportunidade de trabalhar num organismo da NASA?

Quando me inscrevi para o ERASMUS + Internship, tinha de procurar laboratórios e instituições que estivessem dispostas a acolher-me, enviei uma série de emails para diversos locais e precisamente o que eu pensei que não me iria aceitar foi o Centro de Astrobiologia (INTA-CSIC), que acabou por ser a minha casa durante cerca de quatro anos. O Centro de Astrobiologia (INTA-CSIC) foi o primeiro centro de investigação fora dos Estados Unidos a estar afiliado ao NAI (NASA Astrobiology Institute) e continua a ser um dos colaboradores frequentes em variadas missões tanto da NASA como da ESA (European Space Agency).

– De que forma a Universidade do Porto teve impacto no teu percurso?

A Universidade do Porto foi o local onde comecei o meu percurso académico e que devido à abertura de alguns dos docentes da Licenciatura de Ciências do Meio Aquático (dando vida ao mote do fundador do ICBAS) foi-me dada toda a liberdade e incentivo para ir mais longe e estudar outros mundos aquáticos para além da Terra. A Academia precisa de mais docentes e de mais pessoas como as que tive a sorte de encontrar no meu percurso na U.Porto.

– Como foi a adaptação a Espanha?

O meu tempo em Espanha permitiu-me perceber que não existem muitas diferenças entre os dois países. Somos muito parecidos, se bem que os espanhóis são um povo muito mais relaxado e social. Fui muito bem recebida, e mesmo não dominando o idioma consegui facilmente adaptar-me e pouco a pouco criar um pequeno grupo de amigos que ficam para a vida.

O facto de dominar bem o inglês contribuiu para a facilidade em comunicar (num ambiente científico, o inglês acaba por ser a língua universal e para mim foi uma ponte para pouco a pouco aprender espanhol).

– O que é que gostas mais em Madrid/Espanha, em geral. E menos?

Como já referi anteriormente, os espanhóis são muito mais abertos e sociáveis do que os portugueses. Outra coisa que me surpreendeu e à qual me habituei foi à inexistência de honoríficos entre todos, nem os Diretores da Instituição ou dos Departamentos “permitiam” (sim permitiam, muitos rapidamente me disseram que se voltasse a usar o honorífico se iriam aborrecer comigo), e não havia distinções na hora de comer pois todos comíamos juntos nas mesmas mesas (foi das coisas às quais mais me custou a habituar).

Coisa menos positivas de Espanha, Madrid mais em concreto que era onde eu estava, é uma cidade enorme (quando a minha referência era o Porto) e nunca me acostumei a isso. Uma pessoa facilmente se sentia perdida ou sozinha numa cidade como Madrid. Preferia a cidade de Alcalá de Henares, a cidade natal de Cervantes e uma das cidades universitárias mais antigas do Mundo (é património mundial).

Joana Neto Lima em visita a Ávila, Espanha

– Um conselho para quem visita Madrid/Espanha?

Quem passe por Madrid, aconselho sempre a que aproveitem os museus e os jardins da cidade. Aproveitem a comida que é maravilhosa, que saiam ao final da tarde e tomem “unas cañas” com umas tapas e vejam como os espanhóis aproveitam qualquer momento para recarregar energias e socializar (adoraria que nós os portugueses tivéssemos herdado um pouco desse espírito).

– Do que é que sentiste mais falta em Portugal?

Quando estava em Espanha, sentia saudades de muitas coisas que damos como adquiridas, como alguns ingredientes normalmente usados na cozinha portuguesa e bebidas. A felicidade que era quando encontrava um Compal ou algo do género no supermercado. E, claro, sentia saudades da minha casa, da minha família e muitas vezes dava comigo a usar o Google maps para ver os meus locais favoritos ou a dar um passeio virtual pela minha cidade. Benditas novas tecnologias!

– Que novas viagens te reserva o futuro?

Neste momento encontro-me em Portugal, à espera de mais uma Bolsa para poder continuar o meu trabalho. Quando cheguei aqui, ainda pensei que poderia encontrar alguma oportunidade ou possibilidade de ficar por cá. Mas rapidamente me apercebi que o meu caminho está em novamente sair do meu país, talvez daqui a mais uns anos possa regressar e fazer parte de uma equipa portuguesa de ciências planetárias multidisciplinar que conseguirá competir e aliar-se com outras equipas internacionais de instituições tradicionalmente envolvidas na exploração espacial/planetária.