A mais recente descoberta para a Ciência acaba de acontecer dentro do próprio Museu. E desta vez, Luís Ceríaco e a sua equipa nem precisaram de ir para o terreno. No âmbito de uma tese de mestrado, e enquanto se fazia a revisão das coleções zoológicas de anfíbios e répteis colhidos por Francisco Newton numa expedição a Angola no início do século XX, “demos de caras com um exemplar de rã interessante”, começa por apresentar o biólogo e curador do Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto (MHNC-UP),

A expedição, comissariada pela Academia Politécnica do Porto (percursora da U.Porto), permitiu a colheita desta rã em 1903, em Chingo, uma localidade na zona costeira da província do Kwanza Sul, oeste de Angola. O exemplar foi, na altura, classificado por colaboradores do Museu como um representante da espécie Phrynomantis bifasciatus, muito comum nas zonas orientais de África e África do Sul.

Acontece que esta espécie tem uma coloração específica, ou seja, tem o dorso preto e duas bandas largas, de cor avermelhada, nos flancos. Ora, em vez das referidas bandas, o exemplar encontrado por Francisco Newton apresenta umas manchas avermelhadas, uma diferença que suscitou a curiosidade dos investigadores.

Investigação em duas frentes

Para avaliar a raridade do espécime do MHNC-UP, foram consultados exemplares de todas as espécies do género Phrynomantis disponíveis em vários museus de história natural Europeus, Norte-Americanos e Africanos, com particular atenção para os exemplares de Angola e da espécie P. bifasciatus.

Para obter mais dados comparativos, recorreu-se ainda a outra ferramenta que dá acesso a um património infindável de imagens: as fotos publicadas em plataformas de Ciência Cidadã como o iNaturalist, onde amadores e especialistas colocam fotos georeferenciadas das espécies que encontram na natureza.

Os resultados foram conclusivos: os padrões eram diferentes e o local onde as “nossas” rãs foram colhidas, fica a milhares de km do local onde foram identificadas as populações de P. bifasciatus.

Estas evidências, as diferenças ecológicas entre as regiões de colheita e o facto de a zona de proveniência da “nossa” rã ser rica em espécies endémicas, diferentes das do resto do continente, convenceram a equipa que estava perante a descoberta de uma nova espécie para a ciência. “E como cada nova descrição precisa de um novo batismo, decidimos dar-lhe o nome Phrynomantis newtoni, em honra do explorador tripeiro”, acrescenta o investigador.

Phrynomantis newtoni

O tesouro, afinal, estava dentro de casa

Recentemente publicada na revista científica Alytes, num artigo intitulado Citizen Science meets specimens in old formalin filled jars: a new species of Banded Rubber Frog, genus Phrynomantis (Anura, Phrynomeridae) from Angola, esta descoberta vem chamar a atenção para a importância das coleções de história natural dos museus universitários para a ciência moderna. “Muitas vezes, assume-se que estas coleções servem apenas para contar glorias do passado e fazer exposições. Nada mais errado!”, alerta Luís Ceríaco.

Com investigadores e estudantes a trabalharem diariamente nos museus, estas coleções “são fontes fundamentais para a investigação científica atual”, ou, como aconteceu, “na descoberta de novas espécies para a ciência”. Neste caso “nem foi preciso ir para o campo para descobrir novas espécies – elas estavam a nossa espera no Museu!”, conclui o explorador.

Para além de Luís Ceríaco, o artigo é assinado por mais duas estudantes da U.Porto: Bruna Santos, com tese de mestrado em Ecologia e Ambiente (FCUP) e a Mariana Marques, estudante de Doutoramento em Biodiversidade, Genética e Evolução (FCUP/CIBIO).

Foto: DR)

Sobre Francisco Newton

Foi um naturalista português que durante mais de 25 anos realizou várias expedições que contribuíram largamente para o estudo das colónias ultramarinas Portuguesas. Em 1902, Francisco Newton (1864–1909) foi nomeado pela Academia Politécnica do Porto para fazer o levantamento zoológico de Angola.

Até 1906, coletou centenas de espécimes zoológicos. Embora permaneça desconhecido, “é um dos mais importantes exploradores naturalistas portugueses da segunda metade do século XIX e início do século XX”, diz-nos Luís Ceríaco.

“Correu literalmente meio mundo e morreu na miséria, de doença de fígado e esquecido. Até os seus ossos acabaram lançados numa vala comum há 10 anos”.