Numa era em que as abelhas são alvo de grandes ameaças causadas pelo uso de pesticidas e pela intensificação de práticas de domesticação, uma equipa de investigação do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Porto (CIIMAR-UP) comparou a diversidade genética das populações de abelhas-europeias atuais com a de abelhas presentes em coleções de história natural que remontam ao século XIX. Os resultados desse trabalho acabam de ser publicados na revista Scientific Reports do grupo Nature e evidenciam o impacto da história na evolução da genética das populações de abelhas na Europa ao longo do último século.

A diversidade genética atual é fácil de medir, mas sem contexto histórico, as tendências crescentes ou descendentes são difíceis de avaliar. Foi para colmatar esta lacuna que os investigadores Paula F. Campos e Gonçalo Themudo, do CIIMAR, resolveram usar abelhas-europeias de coleções de história natural de vários museus em Portugal, Dinamarca e Países Baixos, para calcular a diversidade genética histórica de abelhas na Europa, em comparação com dados de diversidade genética de populações actuais.

Os autores focaram-se em espécimes europeus nascidos entre 1850 e 2000. Os resultados agora publicados incluem a sequenciação de partes do genoma de quarenta espécimes que contam a história mais alargada de populações de abelhas na Europa durante o último século.

“As abelhas preservadas nestas coleções de museu representam as populações de abelhas que viveram ao longo do último século e com elas pudemos reconstruir as suas histórias através do seu DNA”, diz Gonçalo Themudo do CIIMAR e um dos autores principais do estudo. “A comparação dos nossos resultados com dados de populações atuais, mostra que a diversidade genética era muito maior no passado.”

Diversidade em queda

A equipa  do CIIMAR comparou populações históricas com as suas congéneres atuais, após serem cuidadosamente emparelhadas de acordo com a sua genética e origem geográfica. Os resultados evidenciam que a abelha-europeia possui cinco linhagens genéticas distintas. Duas delas (as linhagens C e M) ocorrem principalmente na Europa, outras duas (O e Y) no Médio Oriente, e uma (A) em África e no sul da Península Ibérica.

As abelhas históricas usadas neste estudo representam as linhagens M, C e O, enquanto que as modernas representam as linhagens M, C, Y e A. As comparações da diversidade genética foram feitas nas linhagens Europeias mais comuns, C e M, aquelas que permitiam fazer uma comparação entre os dois momentos temporais. O estudo demonstra inequivocamente que, em todas as comparações, a diversidade genética decresceu ao longo do século passado.

“Quando começámos este estudo não tínhamos a certeza de ser capaz de detetar uma mudança em qualquer uma destas comparações, uma vez que a diferença de idade entre estas abelhas é de apenas 100 anos. Foi muito surpreendente encontrar diferenças em todas as comparações que fizemos”, explica Paula F. Campos, a autora principal do estudo.

O “suspeito” do costume

As abelhas são criaturas fascinantes, criadoras de produtos usados há milhares de anos em todo o mundo, como mel, geleia-real e cera, além de realizarem serviços de polinização essenciais para muitas colheitas. A sua complexa estrutura social e rituais intrincados têm intrigado e inspirado poetas e cientistas simultaneamente.

No entanto, a abelha (Apis mellifera) tem enfrentado vários desafios entre os quais novas doenças, mortalidade causada pelo uso de pesticidas no controle de pestes e intensificação de práticas de domesticação. Apicultores relataram colapso de colónias durante a última década, e uma crise geral de polinizadores levou a um maior reconhecimento do papel essencial que as abelhas de um modo geral têm na produção de alimentos.

O aumento da densidade de abelhas em colónias, redução do número de colmeias, e a criação em massa de rainhas pode igualmente ter contribuído para alterar processos naturais e afetar a diversidade genética da espécie, potencialmente com consequências na sua susceptibilidade para doenças e outras ameaças.

Fica agora por perceber o impacto de tal perda de diversidade genética face ao papel incontornável das abelhas nos ecossistemas, e em particular na vida do ser humano.