É a primeira vez que um artigo científico relaciona, num dispositivo eletroquímico, a capacitância negativa e a resistência negativa, algo que “nunca foi visto na literatura”, assume Helena Braga, diretora do Departamento de Engenharia Física da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP). O referido artigo esteve recentemente em grande destaque na revista “Applied Physics Reviews”.

Ao longos dos últimos anos, a equipa de Helena Braga tem vindo a desenvolver uma nova geração de baterias que se autocarrega sem perder energia durante algum tempo, ultrapassando largamente o tempo de vida das baterias tradicionais. Como? Usando um eletrólito ferroelétrico que permite a combinação espontânea entre a “capacitância negativa e a resistência negativa na mesma célula”.

“Isto é organização, é um processo de complexificação e criação de padrões. Isto é algo que não acontece só nas células eletroquímicas, acontece em muitos outros dispositivos, incluindo orgânicos, que vão desde o bater do coração aos nossos neurónios”, refere a investigadora, adiantando que a investigação pode “abrir portas noutras áreas”.

Este resultado inovador surgiu da necessidade de entender o funcionamento de um eletrólito (substância que transporta iões dentro da bateria) de vidro ferroelétrico”. Com base numa célula eletroquímica, formada por dois condutores (dois elétrodos diferentes) e um eletrólito rico em lítio ou em sódio, a equipa de investigadores concluiu que a célula, ao combinar “capacitância negativa e resistência negativa”, se autocarrega.

Descoberta inédita

De acordo com o artigo agora publicado, a capacitância negativa ocorre quando, forçada pelas moléculas dipolares do eletrólito, se acumula uma “camada” extra de carga à superfície do eletrólito levando a um aumento gradual da tensão mesmo quando a bateria é posta a descarregar. Por sua vez, a resistência negativa ocorre quando se dá um aumento brusco de tensão nos terminais de um circuito ou dispositivo elétrico e que resulta diretamente de uma variação do potencial químico de um elétrodo.

“Como é que ela se auto carrega? Formando um condensador de capacitância negativa. Não é a primeira vez que se vê isto, mas é a primeira vez que essa capacitância negativa é associada a uma resistência negativa”, destaca Helena Braga. A investigação, que advém da “preocupação, necessidade e urgência em eletrificar por causa das mudanças no clima”, vem assim unificar a teoria por detrás de todos os dispositivos no estado sólido, como as baterias, transístores e células fotovoltaicas.

“Sabendo nós que temos um material ferroelétrico que se auto carrega, podemos prever esse autocarregamento, estudá-lo, otimizá-lo e utilizá-lo quando é necessário aumentar a capacidade e autonomia das baterias”, exemplificou. Trata-se de um processo que dá “origem a um dispositivo que se auto carrega durante algum tempo de dias a anos, aumentando a energia armazenada nele, em competição com a degradação natural do processo eletroquímico que faz com que a energia armazenada diminua pela dissipação de calor”, esclarece a investigadora da FEUP.

Maria Helena Braga publicou pela primeira vez sobre a tecnologia de eletrólitos de vidro em 2014 quando desenvolvia investigação na FEUP, tendo recebido, nessa altura, um contacto do investigador norte-americano Andrew Murchison, da Universidade do Texas em Austin, nos EUA. Foi este que a apresentou a John Goodenough, o inventor das baterias de iões de lítio e Nobel da Química em 2019, que vem acompanhando e apoiando o trabalho da investigadora
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