Investigadores do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Porto (CIIMAR-UP) fizeram avanços promissores na consolidação de conhecimento relativo ao impacto que as nanopartículas de dióxido de titânio podem ter na aquacultura e meio marinho.

O estudo, publicado no Journal of Hazardous Materials e realizado no âmbito do projeto europeu Nanoculture, permitiu compreender os diferentes efeitos provocados pela ingestão de nanopartículas de dióxido de titânio em pregado, uma espécie produzida em aquacultura com elevado interesse comercial.

As nanopartículas no quotidiano

Uma nanopartícula é uma partícula pequena, invisível a olho nu, cujo tamanho varia entre 1 e 100 nanómetros. Estas partículas existem no mundo natural, podendo também resultar de atividades humanas e são classificadas tendo em conta as suas propriedades físicas e químicas. Dependendo da sua composição, tamanho, forma, ou tipo de revestimento, apresentam
características únicas, aplicando-se extensivamente em diversas áreas, como a medicina, a engenharia e agricultura. Por isso, num estudo de impacto de nanopartículas, é fundamental considerar estas particularidades.

Como consequência do seu uso generalizado, as nanopartículas persistem cada vez mais nos ecossistemas, o que para muitos investigadores representa uma motivação para analisar o seu impacto ambiental. É o caso de Elza Fonseca, investigadora principal do estudo, que explica que “a utilização inevitável de nanopartículas nas nossas vidas enquanto consumidores e a
subsequente presença no meio ambiente, faz-nos questionar quais as implicações para os organismos aquáticos, incluindo aqueles criados em aquacultura, e consequentes riscos associados ao consumo de produtos contaminados”.

Como realça o estudo, a avaliação do impacto das nanopartículas é essencial para garantir a viabilidade dos ecossistemas marinhos, bem como de produtos de aquacultura seguros.

Um projeto singular

A escolha da espécie analisada é um dos aspetos mais inovadores deste estudo. Apesar da literatura estar bem consolidada no que toca aos efeitos adversos de nanopartículas em organismos modelo, o mesmo não acontece em espécies comercializadas para consumo humano.

O pregado é um peixe achatado bentónico, isto é, que vive nos fundos aquáticos, muito apreciado pelo seu sabor delicado. Dado o seu estilo de vida em associação com os sedimentos marinhos, torna-se vulnerável à exposição a nanopartículas de dióxido de titânio, que ocorrem em altas concentrações nestes sedimentos, dispersas via produtos de cuidado pessoal nos quais são aplicadas, como protetores solares, cremes e pastas de dentes.

A equipa decidiu analisar o efeito da ingestão de nanopartículas de dióxido de titânio de dois tamanhos diferentes, quantificando a sua presença nos tecidos de pregados expostos e não expostos. Adicionalmente, dado o seu papel fundamental na destoxificação do organismo, foi avaliado o estado do fígado dos indivíduos em estudo.

“Tentámos ir um pouco mais além e entender se a resposta dos peixes poderia mudar ao longo do tempo, dependendo do tamanho da nanopartícula e ainda perceber de que forma as alterações morfológicas e moleculares observadas no fígado estariam relacionadas”, elucida Elza Fonseca.

Os resultados alcançados

A investigadora do CIIMAR esclarece que, embora tenham ocorrido alterações ao nível do fígado, há lugar para boas notícias. Apesar de as nanopartículas de dióxido de titânio estarem cada vez mais presentes no ambiente, parecem não ser tão tóxicas como outras, como é o caso das nanopartículas de prata, uma vez que estes peixes têm a  capacidade de excretar estas substâncias através das fezes.

No entanto, Elza Fonseca que “o facto destas nanopartículas não acumularem nos tecidos examinados, não significa que não perturbem o equilíbrio do organismo até serem excretadas”.

A cientista alerta ainda que a presença destas nanopartículas no ambiente não deve ser desvalorizada, uma vez que a sua libertação exagerada e a exposição crónica às mesmas poderão levar ao aparecimento de doenças ou condições a longo prazo, tanto em organismos selvagens, como de aquacultura.

O potencial do projeto

Os resultados obtidos nesta investigação levantam uma série de questões que merecem atenção por parte da comunidade científica, tais como “O que acontece noutras espécies aquáticas? O que acontece ao longo das cadeias tróficas? Quais as implicações na saúde humana da exposição contínua a nanopartículas?”.

Assim, futuramente, espera-se aumentar o conhecimento relativo aos impactos causados por diferentes tipos de nanopartículas noutros organismos aquáticos, não descurando os riscos associados ao consumo humano.

O projeto Nanoculture é financiado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) através do Programa Interreg Espaço Atlântico (EAPA 590/2018) e tem como parceiros o Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Porto (CIIMAR-UP), o Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia (INL, Portugal), o Centro
Técnológico del Cluster de la Acuicultura (CETGA, Espanha), o Centro de Investigación en Nanomateriais e Biomedicina (CINBIO/Universidade de Vigo, Espanha), o Trace Element, Spectroscopy and Speciation Group (GETEE/Universidade de Santiago de Compostela, Espanha), e o Indigo Rock Marine Research Centre (IRMRC, Irlanda).