A maioria das pessoas LGBTQ+ jovens em Portugal ainda são vítimas preferenciais de cyberbullying e de bullying em contextos como a escola, o espaço público e também na família, comparativamente com jovens heterossexuais ou cisgénero. A conclusão consta no Estudo FREE- Fostering the Right to Education in Europe, uma iniciativa liderada pelo Centro de Psicologia da Universidade do Porto (CPUP) e cujos resultados preliminares foram apresentados esta terça-feira, no âmbito das celebrações do Dia Internacional da Luta contra a Homofobia, Bifobia e Transfobia – IDAHOT.
Realizado com base nos depoimentos recolhidos junto de mais de 1500 jovens com idades entre os 14 e os 19 anos, que frequentavam o 3.º ciclo e o ensino secundário em território português entre setembro de 2020 e julho de 2021, esta pesquisa pioneira teve como objetivo conhecer a integração da diversidade sexual e de género em contexto escolar.
Os resultados agora conhecidos revelam que a população LGBTQ+ (lésbica, gay, bissexual, trans, queer ou em questionamento), que constitui 45.3% desta amostra, é mais frequentemente vítima de formas de agressão. Entre estas incluem-se o assédio ou insultos, divulgação de boatos e mentiras sobre si, ser ignorada deliberadamente, agressões físicas, roubo ou danificação de bens pessoais, ameaças, comentários, piadas ou gestos de natureza sexual.
Os episódios de agressão reportados acontecem sobretudo em espaços como os corredores da escola (57.1%), mas também dentro das salas de aula (39.2%). Segundo os dados analisados, o pessoal docente intervém menos nas situações de bullying quando estas têm como alvo jovens LGBTQ+.
Adicionalmente, 47.4% das vítimas consideram estas intervenções pouco ou nada eficazes. Quase metade (45%) de jovens não-cisgénero, ou seja, jovens com uma identidade de género trans, queer, não binária ou em questionamento, afirmaram que não sentem segurança no uso de vestiários de ginásio ou casas de banho. Por outro lado, apenas um terço (34.6%) do grupo de colegas e menos de metade do pessoal docente (46.2%) respeita o nome social, ou seja, o nome escolhido e que está de acordo com a sua identidade de género.
No contexto digital, o cyberbullying vitimiza com mais frequência estudantes LGBTQ+. Estas situações podem incluir boatos, ameaças, violação da conta pessoal e roubo de informações pessoais, criação de contas falsas em seu nome nas redes sociais, publicação de informação pessoal, vídeos ou fotografias íntimas suas online, ou comentários negativos acerca da sua orientação sexual ou identidade de género.
As motivações principais apontadas para o assédio ou bullying são a aparência física, as expressões de género não conformes com os padrões de masculinidade e feminilidade, e ter uma orientação sexual vista como minoritária.
São várias as estratégias reportadas para lidar com estes episódios, mas o evitamento é aquela que é adotada mais frequentemente (em 51.3% das situações). O absentismo escolar e pensamentos sobre desistir da escola são também mais frequentes em estudantes LGBTQ+, apesar de não parecerem afetar o seu desempenho em termos de rendimento escolar.
Identidade escondida
Cerca de metade (50.5%) do grupo de jovens LGBTQ+ afirmou que na sua família apenas algumas pessoas sabem da sua identidade, mas quase quatro em cada dez (38.1%) admitiram que ninguém na família sabe.
Entre os inquiridos, 13% admitiram que todas as pessoas da família aceitaram, mas 9.7% revelaram que nenhuma pessoa da família aceitou. Já 18.7% admitiram mesmo que alguém na família tinha usado nomes pejorativos ou infligido humilhação por causa da sua identidade LGBTQ+ durante o ano anterior. Adicionalmente, 53.8% de jovens trans afirmaram não conseguir que o nome que escolheram fosse usado em casa.
Já em comparação com o grupo de estudantes cisgénero e heterossexuais, o grau de desconforto no contexto de confinamento com a família (por causa da Covid 19) revelou ser significativamente maior.
As experiências negativas refletem-se também na menor visibilidade destas identidades minoritárias. Quatro em cada dez (43.8%) estudantes LGBTQ+ afirmaram que todas as suas amizades sabiam da sua identidade, mas cerca de um quarto (27.4%) afirmou que apenas algumas pessoas ou ninguém sabe. Apenas 13% revelou a sua identidade a toda a turma e somente 1.8% disse a todo o seu grupo de docentes e pessoal não docente.
Por outro lado, apenas 33.3% admitiram conhecer grupos ou organizações LGBTQ+ para jovens na sua cidade ou escola, e apenas 9.5% recorreu algumas vezes a uma organização deste tipo.
Clima negativo nas escolas
No que diz respeito às políticas educativas, 40.6% da população inquirida afirmou nunca terem sido abordados tópicos relacionados com pessoas LGB na escola (54.2% quando se tratava de assuntos relacionados com pessoas trans). Três em cada cinco jovens (60.1%) revelam ainda nunca ter aprendido nada na escola sobre bullying homofóbico e transfóbico ou sobre aceitação da população LGBTQ+.
Mais de metade da amostra (56.3%) referiu ainda que as atividades de educação sexual não incluíram qualquer informação acerca da existência de diferentes orientações sexuais (por exemplo, lésbica, gay, bissexual, etc.).
Não obstante, as principais fontes de aprendizagem destas temáticas foram em contexto de aula com docentes (31.5%), em programas de prevenção escolar (28.1%), através do diálogo ou partilha com colegas (15%), em aulas com pessoas convidadas (10.9%), ou em reuniões gerais da escola (2.9%). 11.6% dos jovens referiram ainda outras fontes de aprendizagem fora da escola, tais como a rede de amizades ou redes sociais online.
O clima negativo para jovens LGBTQ+ é também visível no facto de 8.6% do grupo de participantes não heterossexuais já ter sido pelo menos uma vez vítima de uma tentativa de conversão da sua orientação sexual, ou seja, um tratamento com o objetivo de mudar a sua orientação sexual, conduzido ou por líderes de religiões (15 casos), profissionais de saúde (8 casos) ou outras pessoas (44 casos), sobretudo membros da família; em média tinham 13 anos de idade quando esses episódios ocorreram.
Estudo internacional
O Estudo FREE é coordenado em Portugal por Jorge Gato e Telmo Fernandes, do Centro de Psicologia da Universidade do Porto (CPUP), e pretende conhecer a relação entre a discriminação, a saúde mental e as experiências escolares, assim como perceber de que modo as políticas educativas influenciam o clima escolar e o bem-estar da população estudantil.
O estudo está também a ser implementado em Itália, Espanha, Grécia, Eslovénia, Letónia, Croácia, Irlanda, Áustria, França e Reino Unido, com o objetivo de perceber de forma comparativa quais os principais fatores de risco e os fatores protetores que afetam o bem-estar e a saúde mental de jovens de minorias sexuais e de género.