Foi com “total surpresa” que recebeu a notícia da atribuição deste “prestigiante” prémio, conta Manuel João Monte. Os 150 anos da Tabela Periódica, que se celebraram em 2019, inspiraram este docente da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) a escrever e publicar, através da U.Porto Press, uma peça de teatro que acaba de vencer o “Prémio SPA| Mariano Gago”, uma distinção que pretende divulgar a investigação científica e dar notoriedade pública a obras de carácter científico.
Assistimos, logo na primeira cena, a uma reunião de condomínio deste Bairro da Tabela Periódica. Levanta o braço e tem a palavra a Sra. Prata que lê, aos restantes condóminos, uma carta de protesto, entretanto recebida, contra o facto de, em 118 elementos químicos, apenas dois serem femininos (a platina e a própria). A missiva diz, então, o seguinte: “Caras elementas do bairro da Tabela Periódica: perante a brutal discriminação de género que se verifica no vosso bairro, apelamos a que pelo menos metade dos 118 elementos passem a ser femininos”. “Caras elementas?!”, reage o Sr. Chumbo. “Será um bloco brasileiro? Bem, o Brasil já teve uma Presidenta!” (Risos). “Caros amigos”, retoma a Sra. Prata, “É realmente estranha, para ser polida como aprecio, esta discriminação de género que ainda persiste em pleno século XXI”. “Mas estanha porquê?”, volta a interromper o Sr. Chumbo. “São os elementos químicos. Ou pretenderá que passem a ser as elementas químicas?”
Um Professor também é um Ator
Foi também uma descoberta para o próprio Manuel João Monte quando, um dia, a meio de uma “conversa mole”, deteta este predomínio do masculino na tabela periódica. Desta curiosidade surgiu a ideia de fazer uma peça de teatro que vai alternando cenas, ora dando corpo às personagens (os elementos) através de uma reunião de condomínio, ora, cumprindo a função pedagógica, salta para uma sala de aula (de Química, claro está). Começou a escrever em janeiro e em maio a peça já estava publicada. Do papel, rapidamente, a peça saltou para os palcos das cidades de Oeiras, Coimbra e Porto. Não faltou a nenhuma das estreias, este professor associado do Departamento de Química e Bioquímica da FCUP para quem o “bichinho do teatro” já tinha começado bem antes.
Quando, em 2003, sobe ao palco do Teatro do Campo Alegre (Porto) a peça Copenhagen, pela Seiva Trupe, o diretor, Júlio Cardoso, pediu a Manuel João Monte que falasse um pouco com os atores sobre questões ligadas à Física, já que a peça cruzava uma Copenhaga ocupada pelos nazis, em 1941, com as reminiscências da fundação da teoria quântica. Logo a seguir, o escritor traduziu para português as peças Oxigénio, de Carl Djerassi e Roald Hoffmann, e Falácia, de Carl Djerassi, editadas pela U.Porto Press e levadas à cena, respetivamente, em 2006 e 2011, pela companhia Seiva Trupe, no Teatro do Campo Alegre.
Por outro lado, Manuel João Monte sublinha o “treino” das aulas: “Um professor também é um ator”. Tal como se estivesse no palco de um teatro, “há uma mensagem que tem de passar para a audiência”. O discurso, no sentido da construção do conhecimento, é feito de “analogias e metáforas, recorrendo a exemplos e, até, ao sentido de humor. Às vezes, até para os acordar! [risos]” Como já nos ensinaram os gregos, recorda o Professor, o humor é uma estratégia de excelência para “divulgar coisas sérias”. E “é preciso saber muito para explicar apenas com pouco”, acrescenta o docente que gosta de rir com as suas “próprias piadas” quando escreve.
Comunicar de forma divertida e pedagógica
“Cheio de surpresas curiosas e revelações fascinantes”, diz-nos Alexandre Quintanilha, no prefácio do livro, “este texto denuncia também a evidência de que, até nos elementos, conseguimos discriminar o género feminino. E, de forma subtil, enquanto transmite noções fundamentais da química, deixa-nos entretidos”.
O Bairro da Tabela Periódica recebeu a atribuição, por unanimidade, do Prémio SPA| Mariano Gago que, nesta edição, abrangeu os anos de 2019 e de 2020. Uma obra que, refere o comunicado da SPA, “transmite de forma divertida e pedagógica as mais importantes noções de química, ao longo da qual os 118 elementos são arrumados nos seus quatro blocos onde discutem as suas diferentes afinidades e antagonismos.” Na primeira edição, o prémio promovido pela SPA foi atribuído a Carlos Fiolhais e José Eduardo Franco, com “Obras Pioneiras da Cultura Portuguesa”, livro editado em 2017; na segunda edição, conquistou o prémio Onésimo Teotónio de Almeida, com “O século dos prodígios”, publicado em 2018.
Jubilado em agosto de 2019, Manuel João Monte é coordenador do grupo de investigação em Termodinâmica Molecular e Supramolecular do Centro de Investigação em Química da U.Porto (CIQUP), e já publicou mais de 100 artigos em revistas científicas internacionais. Desafiado pelo notícias.up.pt a apontar “um objetivo de vida”, responde: “Descobrir o que é a vida” e “entender” porque é que ela existe, para estabelecer duas condições, logo a seguir: “Não ficar frustrado se não conseguir algum destes objetivos”, ou preparar-se para “receber um Nobel se conseguir”.
Manuel João Monte é ainda autor de Histórias de Desencantar, um conjunto de Podcasts da Casa Comum sobre descobertas científicas inovadoras que, inicialmente, nos encantam pela sua importância científica e social e depois desencantam pelas aplicações perversas a que são submetidas.
O Prémio SPA| Mariano Gago será entregue a 25 de maio, por altura da celebração do Dia do Autor Português e do 96.º aniversário da SPA. Até lá, vai a tempo de encontrar O Bairro da Tabela Periódica na U.Porto.Press.