Mais de 120 instituições científicas da União Europeia, das quais se destacam seis da Universidade do Porto, uniram-se para divulgar esta quinta-feira (25 de julho) uma carta aberta na qual defendem uma revisão urgente da lei europeia que viabilize a utilização de técnicas de melhoramento de alta precisão na agricultura. Os investigadores consideram-nas fundamentais para a segurança alimentar, para enfrentar as alterações climáticas, como por exemplo a seca extrema, e para o desenvolvimento científico e económico de Portugal e da Europa.
Desde o início do séc. XX, com o conhecimento da genética de plantas, que se efetuam cruzamentos controlados e outras técnicas de melhoramento para obter descendências mais produtivas e resistentes a doenças. Segundo os subscritores desta carta aberta, «a mais recente e promissora ferramenta para melhoramento de plantas, a edição do genoma com o sistema CRISPR, permite acelerar a obtenção de variedades de plantas mais resistentes às pragas e doenças, reduzir o uso de agrotóxicos e a quantidade de água de rega e até remover produtos potencialmente alergénicos como o glúten».
«Falamos de benefícios para a Ciência, para os agricultores, para o consumidor, para o ambiente e para a economia», sublinham ainda os investigadores. No entanto, precisamente há um ano, em julho de 2018, as plantas obtidas por este meio de melhoramento de precisão foram equiparadas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia a organismos geneticamente modificados (OGM) e, assim, sujeitas à restritiva legislação que regula os OGM.
De acordo com os subscritores, as modificações rápidas e precisas efetuadas por edição do genoma podem também ser obtidas de forma muito mais lenta e menos precisa através das técnicas tradicionais de melhoramento de plantas, e podem ocorrer espontaneamente na natureza. «De facto, e ao contrário do que acontece com os OGM, que incorporam fragmentos novos de ADN, não existe nenhum teste que permita distinguir os organismos sujeitos a edição do genoma daqueles em que ocorreram modificações naturais espontâneas». Dada a sua precisão, argumentam os investigadores, essas variedades são tão seguras ou mais que aquelas obtidas a partir de técnicas convencionais de melhoramento.
O Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S), a Faculdade de Ciências (FCUP), o Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO-InBIO), o Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR-UP), o GreenUPorto e o laboratório REQUIMTE são as seis instituições científicas da U.Porto representadas entre os mais de 70 cientistas portugueses que subscreveram a carta aberta.
É o caso de Mariana Sottomayor, investigadora do CIBIO-InBIO e docente da FCUP, para quem «as plantas obtidas por edição genómica não são plantas transgénicas. Elas não possuem nenhum transgene, ou seja nenhum gene transferido de novo para o seu genoma por manipulação humana. A edição é utilizada para fazer pequenas alterações na sequência genética da planta que são da ordem de grandeza das que ocorrem naturalmente em cada geração de um ser vivo. Por isso, como variedades melhoradas, não há mais seguras».
Ao pretender diferenciar o indiferenciável e equiparar as técnicas de melhoramento genético de precisão aos OGM, argumenta a comunidade científica europeia, o Tribunal Europeu tornou o processo de licenciamento desses organismos muito mais dispendioso e mesmo proibitivo, comprometendo os investimentos em ciência no setor europeu do melhoramento das culturas agronómicas. A utilização destas técnicas no continente está a tornar-se o privilégio de um grupo restrito de grandes multinacionais, com capacidade financeira para dele tirarem partido em grandes culturas altamente rentáveis. O resultado será que o desenvolvimento de variedades vantajosas de uma forma mais rápida e direcionada ficará paralisado na Europa enquanto o resto do mundo
adota a tecnologia. Acresce que esses produtos continuarão a entrar no mercado europeu, uma vez que os controlos alimentares não serão capazes de os diferenciar daqueles obtidos por melhoramento genético tradicional.
Um bom exemplo da utilização da edição do genoma, sublinha Mariana Sottomayor, é a introdução de resistência ao míldio no trigo, que já foi conseguida em laboratório: «É natural que existam já empresas de melhoramento de plantas a trabalhar no desenvolvimento de variedades de elite de milho com este tipo de melhoramento através de edição genómica. Que aliás também já foi conseguido para outras espécies de cultivo como o tomate». Na Universidade de Wageningen (Holanda) por exemplo, «estão a trabalhar na possibilidade de desenvolver trigo com o genoma editado para que as proteínas do glúten não sejam alergénicas para os seres humanos com doença celíaca”.
Outra potencial aplicação poderá vir a ser a recuperação do sabor do tomate. Através desta carta aberta, a comunidade científica apela às instituições europeias, incluindo o Conselho Europeu, o novo Parlamento Europeu e a próxima Comissão Europeia, para que adotem medidas legais que permitam aos cientistas e às entidades que desenvolvem novas variedades de plantas aplicar a edição de genomas para uma agricultura e produção alimentar ambientalmente e economicamente sustentáveis. A capacidade de utilizar a edição de genomas, argumentam, é crucial para o bem-estar e a segurança alimentar dos cidadãos e para a adoção de técnicas agronómicas de menor impacto no meio ambiente.
Conforme pode ler-se na carta aberta, os investigadores europeus defendem que «uma ligeira revisão» da aplicação da atual legislação europeia permitirá «harmonizá-la com o quadro jurídico noutros países e possibilitar a cientistas, empresas, agricultores e produtores europeus incluir a edição de genomas como uma ferramenta adicional para fazer face aos desafios futuros do desenvolvimento sustentável».