“Quem canta seus males espanta!” é um ditado popular que se poderia adequar, quase na perfeição, à história de Inês Homem de Melo. Formada na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), a médica interna de psiquiatria considera-se uma “verdadeira cidadã do mundo” e isso é algo que está bem explícito em “Fome de Viagem”, a canção que apresentará, em breve, no palco do Festival da Canção 2022. Mas já lá iremos…

Desde sempre presente na vida de Inês Homem de Melo, a música começou a ganhar especial importância com o ingresso no Conservatório. Estava no 12.º ano e o estudo “a sério” desta arte fez-lhe perceber que, além de timbres, tonalidades e ritmos, “havia uma forte componente emocional associada”. Um ano depois, em 2009, a “herança genética” da Medicina levou-a aos mesmos corredores e salas de aula da FMUP que também os pais e as duas irmãs haviam frequentado.

A partir daí, música e medicina andaram sempre “lado a lado” no trajeto da atual interna de psiquiatria do Hospital Magalhães Lemos. Como confidenciou recentemente numa entrevista, “a música ajuda-me a fazer regulação emocional (…) As pessoas não vêm a um psiquiatra no seu melhor dia”. De igual forma, também os próprios doentes beneficiam terapeuticamente dos efeitos da música, recordando uma experiência com atividades de música em idosos com demência como “uma das mais emocionantes que tive enquanto médica”, revelou Inês Homem de Melo.

No próximo dia 7 de março, a cantora natural do Porto estará a concretizar um dos sonhos de criança quando pisar o palco do Festival da Canção, um evento que considera fazer parte da História de Portugal e que se assume como uma “celebração da música que se faz no nosso país”.

Intitulado “Fome de Viagem”, da autoria do compositor Pedro Marques e com letra assinada por Galileu Granito, o tema foi um dos quatro selecionados entre as mais de 600 participações do concurso de livre submissão aberto ao público.

“Não fosse esta uma canção sobre um movimento de mudança, já que quem deixa para trás algo que lhe tolhe o pensamento e a liberdade, é alguém que quer ser mais saudável e feliz”, a referência do tema à saúde mental acaba por ser inevitável. «Já nem penso com clareza» “poderia, de facto, ser uma frase ouvida em consulta”, constata a médica de psiquiatria.

Inês Homem de Melo (Foto: DR)

– Naturalidade? Porto (no Hospital de São João)

– Idade? 30 anos

– De que mais gosta na Universidade do Porto?

É uma casa de excelência que também nos incentiva a fazer “voos” lá fora. O programa Erasmus foi muito importante no meu crescimento.

– De que menos gosta na Universidade do Porto?

Alguma falta de diálogo e partilha entre as diferentes áreas da Academia.

– Uma ideia para melhorar a Universidade do Porto?

A transição do ensino secundário para o ensino superior – tantas vezes acompanhada de mudança de cidade, a saída de casa dos pais – pode ser um enorme desafio para os estudantes. A U.Porto poderia fazer um maior investimento nas estruturas de apoio psicológico e em iniciativas destinadas à promoção da saúde mental: ensino de hábitos de estudo, mecanismos de coping face ao stress, entre outros.

– Como prefere passar os tempos livres?

A viajar e a cantar. Quem canta seus males espanta!

– Um livro preferido?

Cem anos de solidão. (Realismo mágico + dinâmicas familiares complexas distribuídas ao longo de várias gerações = receita perfeita para encantar um amante de terapia familiar, como eu.)

– Um disco/músico preferido?

Álbum “Só” de Jorge Palma.

– Um prato preferido?

Croissants brioche – mas daqueles que se fazem aqui no Porto – muito amarelinhos, mal cozidos, a cheirar imenso a manteiga!

– Um filme preferido?

“A vida é bela”. Em homenagem a esta obra prima de Roberto Benigni, pedi ao letrista para incluir, na canção “Fome de Viagem”, a frase “La vita è bella!” e “Buongiorno Principessa!”.

– Uma viagem de sonho?

Moçambique, com o objetivo de conhecer finalmente a terra onde os meus pais passaram parte da sua infância.

– Um objetivo de vida?

“Tentei não fazer nada na minha vida que envergonhasse a criança que fui.” – assim falou José Saramago. Esta imagem sempre me fascinou! O meu objetivo de vida é manter “a criança que fui” sempre viva e dar-lhe muitos motivos de orgulho.

– Uma inspiração?

Os meus avós.

– O projeto da sua vida

“Ter um filho, escrever um livro e plantar uma árvore” e outras variações desta máxima que, no fundo, nos impele a deixarmos a nossa melhor marca nesta passagem pela vida.

Que significado tem para si a letra de “Fome de Viagem”?

Liberdade, leveza, espontaneidade! Desfazer as amarras do passado, de olhos postos no futuro. Em sentido mais literal, a canção celebra o podermos respirar fundo depois destes tempos em que fizemos tantos adiamentos – de todas as aventuras e, claro, das viagens!