Até aos 16 anos, Carlos Lei Santos queria ser astronauta. Agora, aos 29, ir à lua continua a ser a sua viagem de sonho. E sonhos não lhe faltam. Quer deixar um legado, que crie impacto na vida das pessoas. Por isso, “criar um espaço aberto na cidade onde qualquer pessoa possa ter aulas de empreendedorismo e uma oportunidade de criar o seu espaço” é um dos seus objetivos de vida.

A vontade de criar algo está presente desde sempre. Durante o curso de Ciência dos Computadores, que frequentou na Faculdade de Ciências da U.Porto juntamente com André Francisco, criou uma aplicação que era uma espécie de Whatsapp que funcionava mesmo sem internet. Esse foi o primeiro passo para começar a HypeLabs, um software de comunicação em redes mesh, que permite a dispositivos comunicarem entre si mesmo sem Internet.

A solução da startup, nascida e incubada na UPTEC — Parque de Ciência e Tecnologia da U.Porto, identifica no dispositivo que tipos de antenas ou canais de transporte existem — por exemplo, no telemóvel identifica uma antena Bluetooth ou WiFi — e escolhe em tempo real os melhores canais para ligar o dispositivo a todos os que estão nas proximidades.

A aventura de fazer crescer uma startup continua a ser dividida com André Francisco. Juntos enfrentaram os momentos mais baixos da Hype Labs — spin-off da U.Porto—, ao ponto de terem fazer uma mudança de estratégia de negócio quase três vezes. Superaram o desafio, angariaram investimento e saíram sempre por cima. E esse é um dos “mandamentos” que deixa aos futuros empreendedores: ” Não tenham medo de falhar: o mais provável, é que a vossa primeira ideia falhe, ou se transforme em algo que faz mais sentido no mercado”.

Se escolher um livro favorito é uma tarefa complicada, um filme não fica atrás. Só mesmo na gastronomia Carlos não tem dúvidas, a francesinha leva a melhor. E, nas atividades lúdicas, podia ser o homem dos sete óficios já que entre fazer surf, motocross e jogar airsoft, Carlos Lei não tem mãos a medir.

Recentemente, Carlos Lei Santos foi considerado um dos 30 melhores talentos europeus com menos de 30 anos pela revista Forbes. Uma seleção, feita anualmente pela prestigiada publicação norte-americana, que destacou o trabalho do empreendedor na categoria “Technology”.

Carlos Lei é o CEO e cofundador da HypeLabs, empresa nascida na UPTEC. (Foto: DR)

– Naturalidade? Porto (Bonfim)

– Idade? 29

– De que mais gosta na Universidade do Porto?

Das pessoas. A Universidade do Porto, para mim, são todas as pessoas que a constituem: estudantes, docentes, investigadores, diretores, vigilantes, equipas de limpeza, equipas de cafeteria e todas as restantes equipas envolventes. A universidade é uma coisa viva, onde cada uma destas pessoas tem um forte impacto e definiram a minha experiência como estudante e como membro da Universidade. Costumo dizer que nunca conheci uma má pessoa que fizesse parte da U.Porto, e por muito que pense e tente encontrar um exemplo para refutar este argumento, não consigo. Obrigado a todas estas pessoas!

Outra das coisas que gosto na Universidade são as instalações e a forma como os polos envolvem toda a cidade. A Universidade do Porto é parte da cidade do Porto, tal como a cidade do Porto acaba por fazer parte da Universidade do Porto. Gosto bastante desta simbiose, e considero que é algo que faz com que a experiência de ser membro da Universidade uma experiência mais envolvente, diferente daquilo que muitas outras universidades com polos nas periferias de outras cidades possam oferecer.

– De que menos gosta na Universidade do Porto?

A Universidade necessita deixar os seus membros abrir mais as asas e ser mais inclusiva. Uma das coisas que não consigo compreender é a grande falta de cursos (principalmente licenciaturas) em regime pós-laboral. Deveria ser mais inclusiva, permitir que todos tenham a oportunidade de aprender, de estudar, de se formarem, independentemente se têm capacidade para o fazer durante o dia ou não. Pessoalmente, sofri com esta falta de oferta em regime pós-laboral: comecei a HypeLabs como estudante, e era impossível conseguir trabalhar e acompanhar as aulas ao mesmo tempo. Fui obrigado a tomar uma decisão: suspender o curso, ou suspender a minha visão de criação da empresa. Optei pela primeira, o preço de oportunidade era demasiado elevado. Com regime pós-laboral do meu curso este não teria sido sequer um problema.

Outro ponto é relativo à mobilidade entre cursos/faculdades. A ideia dos créditos U.Porto é excelente, mas ainda limitada. Penso que é hora de escalar esta iniciativa.

– Uma ideia para melhorar a Universidade do Porto?

Para além da minha resposta anterior (oferta de cursos em modo pós-laboral e escalar a iniciativa do crédito U.Porto), não posso deixar passar a oportunidade sem referir que é urgente e imperativo olhar para a forma como investigação é feita e recompensada dentro da Universidade. Não pretendo com esta resposta iniciar toda uma revolução, e certamente há pessoas que sabem e têm vindo a argumentar melhor do que aquilo que poderei fazer, por isso deixo apenas uma curta sugestão: estatuto trabalhador-estudante para investigadores bolseiros. Parece-me um bom primeiro passo para iniciar esta conversa…

– Como prefere passar os tempos livres?

Atividades, preferencialmente ao ar livre. Quando tenho tempo, ocupo-o sempre ou a surfar, ou a fazer motocross, a jogar airsoft ou simplesmente em boa companhia num dos fantásticos parques da cidade.

– Um livro preferido?

Bem, depende… Não acredito que seja possível selecionar “um” livro favorito, visto literatura ser tão diversa e abranger vários temas. Mas posso tentar listar alguns dos livros que tenho na prateleira, e que já li no mínimo 2/3 vezes: Maus, The Hard Thing about hard things, Zero to one, Brave new world, Zen and the art of motorcycle repair, 1984, Crossing the chasm, Lord of the Rings (the trilogy)… Vou começar agora Dune, tenho o feeling que vai para os meus favoritos em breve.

– Um disco/músico preferido?

Depende também, há musica para todos os momentos e moods (mas ainda não há musica que chegue, precisamos de mais!). Não consigo deixar de pensar nos primeiros tempos de criação da empresa, sem pensar em toda a discografia de Queen e de Bob Dylan, e até mesmo Dire Straits: foram meses a trabalhar com estes artistas a tocar de fundo em repeat. Kanye West, Kid Cudi, 2Pac Hopsin, Eminem, Wu-tang, Dre, the game: são uma constante nas minhas playlists… E não posso nunca negligenciar artistas do Porto, que me dão sempre uma inspiração e força diferente quando necessário, como Mind da Gap, Dealema e Salto, ou continuando na musica em Português, Halloween, Valete e Sam the Kid.

– Um prato preferido?

Para esta resposta não há “depende”: Francesinha, ou empadão de carne. Agora que penso, tenho de experimentar empadão de carne com molho de francesinha e ver se resulta.

– Um filme preferido?

Tal como a musica e literatura, penso ser difícil (ou até mesmo impossível) classificar um filme como “o” favorito… Sou aficionado por star wars desde que me lembro, em criança passei varias manhãs a ver a trilogia original em cassete (e em adulto confesso que tenho vindo a repetir, e já foram varias as “maratonas” que organizei em casa entre amigos). Toda a trilogia de Lord of the Rings também se enquadra, mas há sempre filmes especiais que vêm à cabeça como Mr. Nobody, Fight Club, 12 Monkeys, Saving Private Ryan, Black Hawk Dawn, Pulp Fiction e muitos, muitos outros…

– Uma viagem de sonho?

Lua. O meu desejo de visitar a lua é provavelmente um dos meus desejos mais fortes e mais antigos.

– Um objetivo de vida?

Criar um espaço aberto na cidade onde qualquer pessoa possa ter aulas de empreendedorismo e uma oportunidade de criar o seu espaço. Género “Escola de Startups” da UPTEC mas transversal a qualquer indústria (restauração, arte, design, turismo, moda), seguido de um período onde os “graduados” possam ter uma loja pop-up gratuita durante um período de tempo de forma a testar o seu negócio/conceito. Nos meus tempos livres gosto de desenhar e debater sobre este conceito, e vim já a identificar várias zonas na cidade onde isto poderia acontecer. Gostaria que fosse um dos meus próximos projetos, ou ajudar alguém a transformar isto numa realidade.

– Uma inspiração?

O meu sócio, André Francisco. Não estaria onde estou hoje sem o André. A sua energia, dedicação, forma de pensar e forma como encara o mundo envolvente inspira-me todos os dias, faz-me querer ser alguém melhor. Das maiores sortes da minha vida foi ter-me cruzado com o André quando éramos alunos na Universidade do Porto, e será para sempre uma das minhas mais fortes amizades, com quem tenho uma ligação que considero inquebrável. Obrigado André.

Carlos Lei com André Francisco, cofundador da Hype Labs, numa atividade de motocross. (Foto: DR)

– O projeto da sua vida…

Deixar legado. Se conseguir ajudar alguém, por muito simples que seja, em algo que tenha um impacto positivo na sua vida já é legado suficiente para mim. O projeto da minha vida é criar este tipo de legado o mais abrangente que me seja possível.

– Começaste a criar a Hype aos 22 e antes dos 30 já foste considerado um dos 30 jovens mais promissores da Europa. Que conselho darias aos estudantes que estão a pensar criar uma startup? 

1) Informação está em todo o lado e é de fácil acesso, a expressão “não sei” já não se aplica e deve ser trocada por “ainda não sei”;

2) Existe todo um ecossistema de pessoas, grupos e entidades à vossa volta que existem para ajudar quem deseja dar os primeiros passos no mundo do empreendorismo. A universidade do Porto e a cidade do Porto são exemplos para o mundo do que é um excelente ecossistema e sistema de apoio. Espaços como a UPTEC e o programa “escola de startups” são imprescindíveis para quem é estudante na U.Porto, o nosso percurso começou aqui e certamente não teríamos chegado onde estamos hoje sem a UPTEC e a Escola de Startups. Espaços como a founders founders, os eventos e conteúdo que produzem, eventos como o “scale-up porto”, o Porto Innovation Center, ou eventos da “Portuguese Women in Tech”… O meu conselho é ir bater a todas estas portas, debater ideias, aprender, e estar no máximo de eventos possíveis de todas estas organizações;

3) Toda a gente é acessível hoje em dia, toda a gente. Se têm uma duvida se querem aprender algo especifico com alguém, perguntem. Uma simples pesquisa no Google encontra forma de contactar qualquer pessoa no mundo de forma direta ou quase direta. Falem com outros founders, angel investors ou outras pessoas no meio. Falem comigo (Carlos Lei Santos no LinkedIn), falem com outros. Falem e ouçam.

4) Não tenham medo de falar sobre a vossa ideia ou projeto, ninguém tem tempo, dinheiro ou motivação para a “roubar”. É crucial receber feedback da vossa ideia o mais cedo possível, ouvir de terceiros potenciais falhas no vosso projeto, e tal pode apenas ser feito se forem aberto, transparentes, e prontos para receber feedback;

5) Não tenham medo de falhar: o mais provável, é que a vossa primeira ideia falhe, ou se transforme em algo que faz mais sentido no mercado. Na HypeLabs fizemos “pivot” quase três vezes. A ideia original está a anos luz daquilo que temos hoje.