E se fosse possível parar um ataque epilético com componentes eletrónicos implantados no nosso cérebro a trabalhar em conjunto com os neurónios biológicos? Ou até mesmo gravar as memórias do nosso cérebro numa espécie de “disco rígido” e recuperá-las em casos de Alzheimer? É precisamente nesse sentido e com esses objetivos que uma equipa que integra investigadores da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), do INESC Microsistemas e Nanotecnologias e do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S) está a trabalhar há vários anos.

Passo a passo, os investigadores já fizeram vários avanços. O mais recente foi provar que é possível estabelecer uma ligação entre memristores (dispositivos eletrónicos com propriedades neuromórficas, ou seja, com comportamentos semelhantes aos dos neurónios) e neurónios biológicos. Os resultados foram recentemente publicados na revista ACS Applied Eletronic Materials.

E qual a vantagem destes dispositivos? Existem já dispositivos implantáveis no cérebro para produzir neuroestimulação em pacientes com doença de Parkinson ou epilepsia, por exemplo, mas, explica Paulo Aguiar do i3S, “estes dispositivos, como dão o estímulo de forma contínua e independente da atividade neuronal, têm limitações: há uma exigência maior sobre as baterias, o que obriga a uma intervenção invasiva, e os neurónios adaptam-se rapidamente ao estímulo, sendo necessário aumentar a sua intensidade até ao momento em que deixa de fazer efeito”. Daí a urgência de se avançar para outra solução.

A equipa responsável pela física e fabricação dos memristors é liderada por João Ventura, investigador do Instituto de Física dos Materiais Avançados, Nanotecnologia e Fotónica da Universidade do Porto (IFIMUP), sediado na FCUP. No i3S, a equipa de neuroengenharia liderada por Paulo Aguiar desenvolveu a utilização destes memristors em modelos celulares para detetarem atividade neuronal atípica (patológica) e atuarem como neuromoduladores.

Novos avanços em perspetiva

O próximo passo começa agora com um novo projeto financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, com o nome “Mnemonics”, e que, além dos investigadores do IFIMUP (João Ventura e Catarina Dias) e do i3S (Paulo Aguiar e Domingos Castro), inclui também uma equipa do INESC MN, liderada por Susana Cardoso.

“Queremos guardar a forma como os neurónios biológicos disparam dentro do cérebro numa destas redes neuromórficas”, explica o investigador do IFIMUP. “Queremos perceber se conseguimos guardar essa informação e depois voltar a transferi-la para uma população neuronal”, acrescenta. A ideia é repor a memória que foi guardada.

É o que pretendem perceber em três anos deste trabalho. Este objetivo pode promover grandes avanços no estudo do cérebro humano e levar a soluções terapêuticas inovadoras para distúrbios neurológicos, por exemplo para doenças como o Alzheimer.

fcup e i3S

A equipa é constituída pelos investigadores Miguel Aroso,  Paulo Aguiar, Catarina Dias, Domingos Castro e João Ventura. (Foto: i3S)

Um trabalho de equipa: da FCUP ao i3S

As primeiras descobertas começaram nos laboratórios do IFIMUP na FCUP. Os investigadores encontraram e estudaram um material com propriedades neuromórficas – o silício. Os materiais passam depois para o INESC MN em Lisboa para se passar à fase de desenvolvimento dos dispositivos.

Os memristores são estruturas à escala nanométrica que têm três camadas – dois elétrodos e um semicondutor ou isolador no meio. São estruturas muito pequenas, construídas com técnicas semelhantes aos componentes eletrónicos de um telemóvel ou disco rígido, e têm memória.