Investigadores do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Porto (CIIMAR-UP) estão a liderar um projeto para avaliar e prever o impacto resultante das alterações climáticas na biodiversidade de água-doce, desde o norte da Europa à bacia do mediterrâneo. E os primeiros meses de trabalho do projeto EdgeOmics não podiam ser mais esclarecedores: as alterações climáticas são reais, sobretudo no mediterrâneo, com muitos organismos aquáticos já a viver no limite da sobrevivência.

Numa altura em que o último relatório do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas das Nações Unidas (IPCC) alerta que o aquecimento global e os seus impactos no clima já estão presentes de forma global, o projeto EdgeOmics do CIIMAR valida a informação com exemplos concretos de biodiversidade de ecossistemas de água doce no nosso país e noutros locais na Europa, usando como modelo três espécies de mexilhões de água doce.

“No fim do mês de julho, num afluente do Guadiana, registamos temperaturas na água de 30ºC a uma profundidade de 90cm! O stress fisiológico dos bivalves que vivem ali é extremo. É de facto urgente verificar se estas espécies já estão a viver nos seus limites térmicos…”, sublinha Elsa Froufe, líder da equipa de Ecologia e Evolução Aquática no CIIMAR e investigadora principal do projeto EdgeOmics.

Ainda segundo a líder do projeto, que conta com uma vasta experiência no domínio da biologia evolutiva, “contribuir para o estudo alargado dos impactos das alterações climáticas é imperativo” nos dias que correm. Nesse sentido, “os mexilhões de rio, com a sua biologia única, são um caso de estudo muito valioso que permite aumentar a nossa compreensão geral da origem e manutenção das adaptações ao stress climático num espetro mais vasto de biota de água doce”, nota.

Água doce: um bem cada vez mais precioso

Os ecossistemas de água doce são ambiental e economicamente valiosos e oferecem benefícios a milhões de pessoas a nível mundial. Atualmente, estes ecossistemas e a biodiversidade que suportam estão entre os mais ameaçados: as alterações climáticas estão a acelerar a sua degradação, agravando as ameaças e levando a alterações na magnitude, frequência, duração, tempo e variabilidade dos seus atributos térmicos e hidrológicos.

Na verdade,  declínio da biodiversidade de água doce tem atingido taxas alarmantes, prevendo-se que seja cinco vezes mais rápido do que todos os outros grupos de espécies. A par desta informação, a área em redor do Mar Mediterrâneo é de longe a região que tem recebido o maior impacto humano desde a ocupação romana, com desvios de água para irrigação e consumo humano, introdução de peixes não nativos ou modificações da paisagem com efeitos nos ecossistemas fluviais.

A bacia mediterrânica, onde estão presentes mais de 6% das espécies de água doce do mundo, é hoje o quinto mais vulnerável dos 25 Hotspots Mundiais de Biodiversidade existentes no planeta, uma posição agora agravada pelas alterações climáticas.

O projeto EdgeOmics é coordenado por Elsa Froufe, líder da equipa de Ecologia e Evolução Aquática no CIIMAR. (Foto: DR)

Bivalves em rios intermitentes: vítimas e modelos de estudo

Os rios mediterrânicos são ecologicamente únicos e caracterizados por uma elevada variabilidade da precipitação, sendo o balanço hídrico frequentemente negativo. Como resultado, muitos cursos de água secam durante o Verão, sendo reduzidos a uma sucessão de poças isoladas. São os chamados “rios-intermitentes”.

Uma vez que os rios mediterrâneos em todo o mundo (por exemplo na Califórnia) estão sujeitos a estes períodos sequenciais de inundação e seca, é de esperar que a fauna presente se tenha adaptado a tensões únicas que requerem mecanismos de adaptação genética totalmente originais. Estes habitats e a sua biodiversidade são por isso excelentes modelos de estudo para conhecer o caminho escolhido pela evolução na resposta às alterações climáticas.

O projeto EdgeOmics tem como objetivo perceber se e como estas espécies respondem a este tipo de condições e ainda conhecer as adaptações genéticas vitais para essa resposta em três espécies de mexilhões de rio, num gradiente latitudinal, desde o Mediterrâneo até à Escandinávia.

“O nosso objetivo é identificar o núcleo molecular e as vias funcionais potencialmente envolvidas na resposta ao stress ambiental” conclui Elsa Froufe.

EdgeOmics: a genética no limite

Os estudos genómicos são particularmente úteis no estudo das respostas ao stress, uma vez que estas envolvem interações entre muitos genes e vias que são melhor estudadas através de abordagens genómicas alargadas, em vez de um gene de cada vez.

Já anteriormente a equipa CIIMAR disponibilizou o primeiro e único genoma do mexilhão de rio da família Margaritiferidae. O EdgeOmics pretende juntar a este, mais três genomas adicionais permitindo fornecer um catálogo de genes-chave do mexilhão e vias relacionadas com fatores de stress e mecanismos básicos de adaptação.

André Santos, investigador do CIIMAR e aluno de doutoramento da equipa reforça: “A disponibilidade de informação à escala genómica para mexilhões de rio é incrivelmente reduzida. Num grupo com aproximadamente 800 espécies apenas 4 genomas foram sequenciados até à data, dois dos quais por membros da nossa equipa, um deles liderado pelo CIIMAR”.

“Nós estamos empenhados em aumentar esta informação, pois a informação genómica a larga escala permitirá toda uma nova visão sobre a fascinante biologia destes organismos bem como estudar as suas respostas a alterações ambientais e claro às alterações climáticas”, remata o cientista.

O EdgeOmics conta com uma equipa de investigadores multidisciplinar altamente qualificada. A Elsa Froufe e André Santos juntam-se ainda cientistas do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, InBIO Laboratório Associado da U.Porto (CIBIO-InBIO) e de mais três  instituições internacionais (França, Itália, Suécia, Canadá) e três portuguesas (Instituto Politécnico de Bragança, Universidade do Minho e Universidades de Trás-os-Montes e Alto Douro).