Transformar narrativas interativas em terapia cognitiva para doentes de Alzheimer. É este o mote da dissertação de Maria João Alves, antiga estudante do Mestrado em Multimédia da Faculdade de Engenharia da U.Porto (FEUP), que aborda princípios orientadores para a criação de narrativas interativas com potencial para auxiliar os portadores da doença “a recuperar as suas histórias”.

O objetivo destas narrativas passa pela estimulação da cognição, memórias e orientação do paciente, procurando entender quais as memórias mais significativas a longo prazo. “Para evitar frustração e captar atenção é preciso conectar com estes doentes e perceber o que eles gostam e quais as suas aptidões para interagir com estas tecnologias.”, explica Maria João.

Segundo a alumna da FEUP, as narrativas interativas implicam uma história não-linear, com a qual um utilizador pode interagir e influenciar o rumo da mesma. Podem ser ferramentas interativas simples, onde o utilizador vai tomando decisões por uma personagem (de entre um conjunto de opções disponíveis), ou ferramentas mais complexas, utilizando tecnologia avançada e inteligência artificial para que a história se molde às decisões do utilizador.

“A construção de uma ferramenta com valor terapêutico implica não só o conhecimento sobre a doença e a tecnologia em separado, mas também a compreensão de como introduzi-la a este tipo específico de utilizadores que tem, na maioria das vezes, tanto a idade como défices cognitivos a interferir com a utilização de novas tecnologias.”, avança.

Com o intuito de otimizar o processo de escolha e criação de narrativas interativas a serem utilizadas por instituições e/ou investigadores no estudo e implementação do apoio terapêutico, Maria João Alves definiu um conjunto de princípios orientadores a partir de relatos de cuidadores e enfermeiros das áreas clínicas do Alzheimer e demências.

Após a recolha da informação mais relevante, a organização dos princípios foi delineada em três grandes vertentes – o doente, o cuidador e a ferramenta – que deverão ser aplicadas tendo em conta o contexto, a evolução da doença e as particularidades do paciente.

As narrativas interativas permitem dar poder de decisão ao doente, implicando treino cognitivo e incitando o exercício de memória. (Foto: DR)

Este tipo de abordagem terapêutica é mais indicado para doentes em fases iniciais da doença, correspondendo a um estado leve a moderado da patologia. “O entendimento do cuidador sobre estas ferramentas também é importante, sendo que a presença de um acompanhante, o próprio cuidador ou um técnico especializado é aconselhada para um aproveitamento completo das potencialidades desta terapia.”, alerta a autora.

Já o processo de construção da narrativa interativa deverá ter em consideração o contexto geográfico e sociocultural do doente, ainda que existam áreas como a família, profissões e emoções que apresentam uma relevância generalizada. “Imaginemos que um portador da doença teve como primeira profissão a distribuição de pão. Uma narrativa interativa poderia implicar uma viagem por localidades em que já tenha trabalhado, recorrendo a música da época e a diálogos que incluam ditados populares.”, exemplifica Maria João.

A aplicação da ferramenta na estimulação cognitiva implica que o doente não se limite a apenas observar o desenrolar da história, interagindo a cada passo e sentindo que tem poder de decisão. As ações tomadas por ele, a par de diversas técnicas de multimédia que contribuem para a construção da narrativa, acabam por implicar treino cognitivo, incitando o contínuo exercício de memória.

O impacto da experiência pessoal na investigação

Mas há mais história para contar. A avó paterna de Maria João, também ela portadora da doença num estado já avançado, foi a grande razão pela qual a alumna decidiu estudar e compreender melhor a temática, encontrando soluções para um problema que tanto lhe dizia.

Para a autora, a decisão de avançar com o projeto surgiu da conjugação de dois grandes fatores: por um lado, o presenciar da evolução repentina da doença da sua familiar e, por outro, a sua paixão por ler, ouvir e contar histórias.

“Foi precisamente o roubo incontornável das suas histórias que me fez querer usar narrativas para tentar combater, nem que seja por momentos, o inevitável. Infelizmente, o estado da doença da minha avó não permite atrasar a progressão, mas talvez este trabalho motive outras pessoas a tentar ajudar outros doentes.”, conclui a antiga estudante do mestrado em Multimédia.