“As áreas de vegetação no Porto diminuíram drasticamente desde 1947, particularmente as áreas de vegetação herbácea.” Quem o diz é Filipa Guilherme, estudante do Programa Doutoral em Arquitetura Paisagista e Ecologia Urbana na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), que, no âmbito da sua tese, acaba de publicar um estudo com uma equipa multidisciplinar da Universidade do Porto, na revista Landscape and Urban Planning.

Este trabalho apresenta, a uma escala fina, as áreas de vegetação mais estáveis e menos perturbadas da cidade do Porto ao longo das últimas sete décadas, as quais deverão ser prioritárias para a conservação da biodiversidade.

A gestão da biodiversidade fica frequentemente limitada por informações espacialmente pouco precisas e sem perspetiva histórica. No caso da biodiversidade urbana, aquela mais próxima dos cidadãos, esta falta de dados a uma escala (temporal e espacial) adequada, assim como num formato espacialmente explícito, impede uma boa integração em políticas e planos de ordenamento e gestão territorial a nível local.

“As áreas de vegetação arbórea-arbustiva mais antigas são reduzidas, mas encontram-se relativamente preservadas e protegidas em parques e jardins, especialmente de acesso público; as áreas de vegetação herbácea persistente são muito escassas, enfrentam problemas de degradação e são altamente suscetíveis à expansão urbana”, continua a detalhar Filipa Guilherme.

A título de exemplo de áreas antigas de vegetação herbácea, pode mencionar-se a zona das ribeiras de Nevogilde e da Ervilheira, onde se prevê a construção da futura Avenida Nun’Álvares/D. Pedro IV e urbanizações associadas; os campos agrícolas da antiga Quinta da Prelada, onde está prevista a construção de uma academia de futebol em terrenos apontados no PDM como espaços fundamentais para a estrutura ecológica municipal; e também antigos campos agrícolas na zona de Ramalde do Meio-Viso-Requesende, onde uma mancha significativa de habitat herbáceo identificada no estudo foi recentemente destruída.

Para chegar a estas conclusões, esta equipa multidisciplinar da Universidade do Porto, que integra também os docentes da FCUP e investigadores do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (BIOPOLIS-CIBIO) da Universidade do Porto, Paulo Farinha Marques e Miguel Carretero, orientadores de Filipa Guilherme, e também  com a participação do professor da FCUP, José Alberto Gonçalves, investigador do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR) da U.Porto, mapeou a cobertura do solo através da interpretação visual de fotografia aérea antiga e de fotografia de satélite, de 1947 a 2019. Desta forma, a equipa conseguiu determinar as trajetórias temporais de cobertura do solo em toda a extensão da cidade.

“A identificação, a uma escala fina, do valor ecológico de cada parcela urbana, com base no princípio de que as áreas menos perturbadas ao longo do tempo apresentam níveis de biodiversidade mais elevados, facilita a tomada de decisão em políticas de planeamento urbano e projetos urbanísticos, tanto à escala da cidade, como à escala de cada parcela urbana”, explica Paulo Farinha Marques.

Exemplo de área antiga de vegetação herbácea num terreno baldio, após algumas décadas de abandono de atividade agrícola, destruída em 2022 para construção (zona de Ramalde do Meio/Prelada). (Foto: Filipa Guilherme)

Os resultados obtidos podem ser robustecidos com o afinamento da resolução temporal (ou seja, incluir intervalos de tempo mais curtos) para melhor capturar a dinâmica acelerada de transformação urbana. Do mesmo modo, devem ser complementados sobre informação recolhida no terreno, particularmente sobre as comunidades de flora e fauna existentes em cada local.

A mesma equipa vai brevemente publicar os resultados de várias inventariações de vertebrados na mesma área, que vêm corroborar e confirmar as áreas aqui identificadas como prioritárias para a conservação da biodiversidade.

Miguel Carretero, do BIOPOLIS-CIBIO, salienta que “no futuro, a conservação e gestão da biodiversidade nas muitas zonas onde ela sofre perturbação deverá estar baseada em evidência numa escala espacial fina e não poderão ignorar a componente histórica da paisagem”.