O investigador Nuno Ferreira, do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Porto (CIIMAR), publicou recentemente um artigo na revista científica Environment International, onde demonstra que os níveis de glifosato observados nos solos, bem como do seu metabolito primário (AMPA), poderão revelar um sério risco para o ambiente.

Nos últimos anos, tem-se assistido a uma perda da biodiversidade terrestre devido às mais variadas pressões antropogénicas, sendo a gestão inadequada das áreas terrestres uma das principais razões. A este fator está conectada a utilização indevida de pesticidas no setor agrícola. Apesar de todos os esforços para tentar reduzir o uso destes produtos químicos na agricultura, prevê-se que a sua utilização se mantenha nos próximos anos, podendo mesmo aumentar. O facto destes pesticidas persistirem no solo durante longos períodos e poderem ser transportados através do vento e da água geram preocupação na comunidade científica e política.

Um dos pesticidas mais utilizados a nível mundial é o glifosato (GLY), que é amplamente empregue na agricultura para controlar o crescimento de plantas indesejadas, apesar das preocupações sobre os seus potenciais efeitos adversos à saúde humana. Quando este químico se degrada, origina ácido aminometilfosfónico (AMPA), que é capaz de persistir no solo por um maior período do que o seu percursor.

Como a contaminação por GLY e AMPA pode impactar negativamente os ecossistemas, a biodiversidade e ter implicações na saúde humana, este é um tema de particular interesse para o público em geral.

Os efeitos do glifosato: desde os ecossistemas terrestres ao ser humano

O estudo conduzido por Nuno Ferreira reporta um conjunto de efeitos observados tanto nos ecossistemas terrestres, como na saúde humana.

Apesar de a literatura ser escassa, os autores sugerem que estes químicos podem impactar de forma prejudicial os organismos terrestres, potencialmente comprometendo dinâmicas populacionais, o sucesso reprodutivo e até mesmo aumentando a mortalidade. Os efeitos foram identificados às escalas molecular, celular e metabólica, chegando mesmo a manifestarem-se ao nível comportamental, tendo sido, também, evidenciada a neurotoxicidade e genotoxicidade destes produtos.

Já no que diz respeito à saúde humana, há evidências de uma correlação entre o glifosato e doenças como Parkinson, Alzheimer e linfoma não-Hodgkin, bem como um aumento na incidência de tumores no fígado e rins.

Em 2015, a Agência Internacional para a Investigação do Cancro da Organização Mundial de Saúde classificou o glifosato como potencialmente carcinogénico, apesar de existir ainda uma certa ambiguidade sobre esta classificação.

Uma alavanca para a tomada de decisões políticas

“Numa altura em que se debate o futuro do glifosato na União Europeia, este estudo é uma mais-valia para os decisores políticos ao, através de uma análise multidimensional da bioacumulação em solos de glifosato e AMPA a nível mundial, apresentar os possíveis impactos negativos para os ecossistemas e populações locais”, explica Nuno Ferreira.

O artigo evidencia a falta de estudos em muitas regiões, mesmo em situações em que existem fundos para financiar essas análises, mas alerta que, mesmo em locais com poucos dados, o possível risco destes pesticidas não deve ser negligenciado.

A América do Sul foi considerada um hotspot para a contaminação de solos com estes químicos, pelo que este facto reforça a necessidade da implementação de políticas nacionais que visem proteger estes ecossistemas. Juntamente com estas necessidades, surge também a urgência no desenvolvimento de práticas agrícolas que reduzam o uso de pesticidas. É o caso da iniciativa Farm to Fork, que visa acelerar a transição para um sistema alimentar sustentável, desde a produção até ao prato.

O estudo foi realizado no âmbito do projeto BEESNESS e desenvolvido em colaboração com a School of Biosciences – Cardiff University, a Universidade Positivo e a Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Contou, ainda, com o apoio da Fundação Araucária à CPUP, através do Projeto PBA2022011000243 (CP 09/2021) e da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, no âmbito do UIDB/04423/2020, UIDP/04423/2020 e Projeto BEESNESS (CIRCNA/BRB/0293/2019).