Num estudo que contou com a colaboração de investigadores do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Porto (CIIMAR-UP) foi possível retratar o padrão global de diversidade genética de espécies formadoras de habitats marinhos. Uma análise que surpreendeu os investigadores ao revelar que não há diferenças de biodiversidade genética destas espécies entre áreas protegidas e não protegidas.
O estudo, intitulado “Global patterns and drivers of genetic diversity among marine habitat-forming species” e publicado na revista Global Ecology and Biogeography, contou com a colaboração dos investigadores Cristina Linares e Laura Figuerola do Departament de Biologia Evolutiva, Ecologia i Ciències Ambientals, Universitat de Barcelona (IRBIO-UB), de Joaquim Garrabou do Institut de Ciències del Mar (ICM-CSIC) em Barcelona e dos investigadores do CIIMAR Jean-Baptiste Ledoux e Aldo Barreiro.
É o primeiro estudo de análise global da diversidade genética exclusivamente centrado nas espécies marinhas e permitiu caracterizar o padrão global de diversidade genética nas espécies marinhas formadoras de habitats. Este padrão, também conhecido como padrão macrogenético, permite identificar características partilhadas nos padrões genéticos em diferentes espécies e em grandes escalas espaciais.
“Analisámos uma base de dados incluindo estimativas de diversidade genética em mais de 9.000 populações georreferenciadas de 140 espécies MHF, que pertencem a sete taxa animais, por exemplo, corais e esponjas; e vegetais, por exemplo, ervas marinhas e algas marinhas” explica Jean-Baptiste Ledoux, que liderou o estudo no CIIMAR.
Os resultados são desconcertantes: “praticamente não há diferença entre os níveis de diversidade genética nas espécies marinhas formadoras de habitat entre áreas protegidas e áreas não protegidas” refere o investigador do CIIMAR.
Consequentemente, o estudo conclui que as áreas protegidas não suportam uma maior biodiversidade genética, como seria de esperar. “A diversidade genética é um nível fundamental, mas ainda negligenciado de biodiversidade. Isto está muito bem ilustrado pelo nosso estudo que demonstra a total desconexão entre o padrão de diversidade genética das espécies marinhas formadoras de habitats e a rede de áreas protegidas. Esta desconexão é alarmante”, sublinha Jean-Baptiste Ledoux.
Na opinião dos investigadores, há ainda grandes falhas na regulamentação associada às áreas protegidas marinhas. Apesar da sua definição e legislação estar, há muito, a ser desenhada, as ações de conservação parecem ser incapazes de promover uma maior diversidade genética.
As importância das espécies formadoras de habitat
As espécies marinhas formadoras de habitats (MHF) como os corais, algas e ervas marinhas, são espécies ecologicamente muito importantes por estarem na base da formação de habitats marinhos robustos e biodiversos que fornecem recursos e serviços centrais para as pessoas. São ainda responsáveis por aumentar a complexidade dos habitats criando ecossistemas muito particulares como recifes de coral ou florestas de algas marinhas.
Instabilidades relacionadas com estas espécies têm, portanto, impacto em todo o habitat, na respetiva biodiversidade e naturalmente nos recursos e serviços socio-economicos associados.
Atualmente, as espécies marinhas formadoras de habitats estão altamente ameaçadas pelo impacto das alterações climáticas, como por exemplo os eventos de branqueamento de corais ou as mortalidades massivas no Mediterrâneo, a destruição do habitat e outros impactos antropogénicos.
Macrogenética para a conservação
O conhecimento sobre os padrões macrogenéticos é crítico para a conservação da biodiversidade já que o nível de diversidade genética dentro das espécies está ligado à adaptabilidade das populações às condições do meio. Da mesma forma, a diversidade genética é uma componente chave do funcionamento e da resiliência dos ecossistemas a alterações do meio como as provocadas pelas alterações climáticas ou pelas pressões antropogénicas.
Por este motivo, a diversidade genética foi identificada pela Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) em 1992 como um dos três pilares da biodiversidade que requerem atenção de conservação. No entanto a diversidade genética tem sido negligenciada em iniciativas internacionais de conservação, avaliações e gestão da biodiversidade.
Esta negligência justifica os resultados deste estudo, mostrando lacunas no efeito das ações de conservação quando este pilar não é considerado e a necessidade urgente de reforçar a regulamentação das áreas protegidas. Este resultado reforça os recentes apelos no sentido de reconsiderar a diversidade genética no planeamento da conservação e de fazer cumprir os regulamentos existentes.
Cristina Linares, professora na Universidade de Barcelona (UB-IRBIO), reforça esta importância e a pertinência do estudo: “Quase 30 anos depois da CDB, a importância e a necessidade de conservar a diversidade genética foram finalmente reconhecidas no âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica no “Kunming-Montreal Global Biodiversity framework“, em Novembro de 2022 graças aos esforços de muitos cientistas. Neste contexto, o nosso estudo é oportuno, fornecendo uma base de referência para promover a conservação da diversidade genética em espécies formadoras de habitats marinhos.”
Impacto em todo o ecossistema
A reforçar esta importância, o estudo agora publicado demonstrou ainda que o padrão de diversidade genética nas espécies marinhas formadoras de habitat está correlacionado com o padrão de diversidade de espécies associadas. Ou seja, regiões com maior diversidade genética são também regiões com maior riqueza de espécies.
Este resultado sugere a existência de interações positivas entre os dois níveis de diversidade e reforça a necessidade de se ter em conta a macrogenética na monitorização das ações de conservação.
Aldo Barreiro, investigador do CIIMAR também envolvido neste trabalho explica como este aspeto se torna relevante na conservação dos ecossistemas na sua totalidade: “A conservação da diversidade genética das espécies de MHF não ajudará apenas as espécies visadas. De facto, demonstrámos uma correlação positiva entre a diversidade genética das espécies formadoras de habitats marinhos e a diversidade de espécies associadas. Isto significa que a conservação eficaz da diversidade genética das espécies de MHF beneficiará as comunidades associadas, entre as quais as florestas marinhas e os recifes de coral que fornecem recursos e serviços centrais para as pessoas”.
Laura Figuerola estudante de doutoramento da Universidade de Barcelona conclui: “o nosso trabalho estabelece uma linha de base macrogenética que pode ser utilizada quer para dar prioridade aos esforços de conservação e gestão, como para ajudar a orientar futuras ações de monitorização genética e conservação.”
Outros resultados
Outros resultados deste estudo destacam ainda que os níveis de diversidade genética das espécies de MHF não é tão elevado quanto outras espécies marinhas, como é o caso dos peixes e que, tal como acontece com as espécies terrestres, as espécies animais formadoras de habitat (como os corais) abrigam uma maior diversidade genética do que as plantas formadoras de habitats (como as algas marinhas). Estas diferencias podiam ser relacionadas as estratégias de vida das espécies como por exemplo o modo de reprodução ou a duração de vida.
Verificou-se ainda que a diversidade genética não é homogeneamente distribuída, tendo-se observado maior diversidade genética em latitudes médias.