Há milhares de microrganismos na água, entre bactérias, arqueias, microalgas, fungos e outros, que podem ajudar e dar pistas sobre a qualidade de um ecossistema. Face às alterações climáticas que ameaçam o equilíbrio dos ambientes aquáticos costeiros, uma equipa da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) está a trabalhar na validação de uma espécie de ferramenta de bioindicadores para avaliar a qualidade trófica desses ecossistemas. 

Os investigadores da FCUP integram um consórcio com instituições de França, Espanha e Portugal no âmbito do projeto BIOMIC, financiado pelo programa Interreg Sudoe, que está prestes a terminar. A reunião final decorreu nos dias 26 e 27 de janeiro e contou com a apresentação dos resultados e com a presença da Agência Portuguesa do Ambiente, entre os stakeholders que podem vir a utilizar este kit de diagnóstico. 

Para chegar aos resultados apresentados, os investigadores recolheram um total de 158 amostras de sedimentos de 53 pontos de amostragem. “O objetivo foi chegar a uma ferramenta que funciona como um conjunto de bioindicadores para os vários parâmetros físico químicos e que podem estar a afetar os ecossistemas, como metais, salinidade, hidrocarbonetos ou pesticidas”, começa por explicar Olga Lage, docente da FCUP que coordena este projeto em Portugal. 

Para isso, foram feitas análises de DNA para perceber quais as comunidades de microrganismos existentes e em que quantidade elas existem nas diferentes zonas costeiras e para determinar os parâmetros físico químicos como a temperatura, o pH, a salinidade ou a presença ou ausência de metais. O resultado? Chegaram a uma grande base de dados que lista os microrganismos e os parâmetros que condicionam as diferentes comunidades microbianas. 

Os investigadores recolheram dezenas de amostras de sedimentos de mais de 50 pontos de amostragem (Foto: André Rolo/Global Imagens)

Microrganismos com muito para “contar”

O BIOMIC tem particular enfoque na componente microbiológica “até ao momento nunca contemplada para análise da qualidade da água e dos ecossistemas” e os investigadores verificaram que estes têm muito para “contar”.

“Se há poluição ou níveis altos de salinidade, a comunidade microbiana vai ser diferente”, exemplifica Olga Lage. “Em termos gerais, uma determinada biodiversidade autóctone caracteriza uma melhor qualidade ambiental”, aponta Sara Antunes, docente da FCUP e investigadora auxiliar do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR), também envolvida no projeto, em declarações ao Diário de Notícias.

“Temos legislação muito específica para ecossistemas aquáticos, interiores e costeiros, mas com ferramentas de análise de indicadores de níveis tróficos superiores, o que quer dizer que quando o problema aparece nesses níveis já está há muito tempo nos níveis tróficos mais baixos. Precisamente nesta componente microbiológica. E esta ferramenta, que estamos a desenvolver, permite avaliar essa sensibilidade”, acrescenta a cientista. 

Estas declarações foram feitas à margem do trabalho de campo dos investigadores, em junho de 2022, com a recolha de sedimentos no Estuário do Douro, no Cabedelo. Os investigadores recolheram sedimentos de uma zona não poluída, para os contaminar depois, em laboratório, com metais e observaram o seu efeito na comunidade de microrganismos presente nesses sedimentos.

A equipa da FCUP, em conjunto com a empresa Paralab, testou, entretanto, nestas amostras, diferentes concentrações de chumbo, arsénio, zinco e cobre, metais encontrados em grande quantidade num outro local do Rio Douro. Ao final de 30 dias de ensaio, os resultados estavam literalmente à vista: o tanque do ensaio com sedimentos contaminados por metais não formaram biofilme microbiano, ao contrário da amostra de controlo sem metais. 

(Foto: DR)

Para além do trabalho no Douro, em Portugal houve também recolha de amostras no rio Ave, na ria de Aveiro e na ria Formosa. 

O projeto BIOMIC vai terminar a 27 de fevereiro, mas os investigadores prometem continuar a trabalhar. Após a validação em laboratório, querem agora testar a ferramenta nos ecossistemas costeiros.