Uma equipa de investigadores do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) e do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR), em colaboração com a Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto (FFUP) e o CESPU – Cooperativa de Ensino Superior Politécnico e Universitário, identificou, pela primeira vez, o aparecimento de efeitos adversos a longo prazo relacionados com o consumo combinado de lítio e de microplásticos.

Através da análise de um crustáceo planctónico de grande relevância ecológica, Daphnia magna, vulgarmente conhecida como pulga da água, os investigadores concluíram que a exposição a longo prazo a concentrações ambientalmente relevantes  de lítio e misturas de lítio e microplásticos decresceram a reprodução – até menos 93% e 90% – e reduziram a taxa de crescimento das populações – até menos 67% e 58%, respetivamente.

Estes resultados, agora publicados na revista Science of the Total Environment, são “preocupantes”, como refere Lúcia Guilhermino, docente no ICBAS, onde coordena o Laboratório de Ecotoxicologia e Ecologia, e líder da equipa de investigação em Ecotoxicologia, Ecologia do Stress e Saúde Ambiental do CIIMAR

“Os efeitos da redução do zooplâncton podem ter consequências muito graves para os ecossistemas, uma vez que estes organismos representam a base das cadeias tróficas, para além de serem essenciais para manter a qualidade da água de que todos dependemos, através da sua filtração enquanto se alimentam”, explica a investigadora.

Para além disto, a D. magna tem um sistema nervoso muito desenvolvido, pelo que os resultados obtidos podem ser extrapolados para outros animais, incluindo mamíferos, servindo de “alerta para os efeitos que podem estar a ser exercidos na população humana, sobretudo em regiões ricas em lítio, zonas com elevada densidade populacional e grande utilização de dispositivos eletrónicos, e áreas industriais ou recetoras de «lixo eletrónico»”.

Com o aumento da densidade populacional, a procura pelo lítio – um metal muito usado em baterias de dispositivos eletrónicos, incluindo veículos elétricos – tem vindo a crescer extraordinariamente. Para além de presente nos solos, no ar e na água, incluindo a água mineral engarrafada disponível comercialmente, o lítio está presente em alimentos de origem animal e vegetal, uma vez que é bioacumulado pelos seres vivos.

“Apesar da sua origem natural, o lítio é um elemento muito reativo do ponto de vista biológico. Pode provocar toxicidade em vários sistemas e órgãos, como o sistema nervoso, o fígado, os rins e o aparelho reprodutivo, através de mecanismos que ainda não estão completamente descritos”, sendo por isso fundamental explorar melhor estes resultados, reforça Lúcia Guilhermino.

As combinações com microplásticos e os impactos ambientais

A indústria do plástico também tem vindo a aumentar, sendo a presença deste material cada vez mais comum no nosso meio ambiente. Em relação aos microplásticos, Lúcia Guilhermino ressalva que “são um material biologicamente ativo, tendo sido já descritos efeitos adversos em várias espécies aquáticas e terrestres. Para além disso, os microplásticos podem atuar como esponjas e ligar outros contaminantes, como o lítio, alterando a sua incorporação, acumulação e toxicidade”.

É por este motivo que estudos como este, onde se analisam os efeitos de diferentes concentrações e combinações de microplásticos e outros contaminantes, são essenciais, uma vez que “todos os organismos vivos estamos simultaneamente expostos a muitos poluentes ao longo da vida, e a interação entre esses agentes químicos pode levar a efeitos tóxicos diferentes, alterando os limites de segurança previamente estabelecidos”.

Neste momento, a equipa de investigação está a desenvolver estudos para avaliar as consequências resultantes das mudanças climáticas globais nos efeitos a longo prazo do lítio, microplásticos e suas misturas. Resultados preliminares sugerem, contudo, que a toxicidade do lítio e dos microplásticos é modificada com a temperatura e a intensidade luminosa.

Este trabalho foi cofinanciado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (projetos PLASTICGLOBAL e RESPONSE), pelo programa COMPETE 2020 (projeto PLASTICGLOBAL) e pelo NORTE 2020 (projeto ATLANTIDA), com fundos FEDER da União Europeia, e por fundos próprios das instituições e equipa envolvidas.