Em causa estará, talvez, o maior desafio que a humanidade enfrenta este milénio: a conservação dos solos! Não só na agenda mediática e nas gordas dos jornais, não só no dia-a-dia aflito dos agricultores, não só na crescente urgência dos ambientalistas… As preocupações climáticas estão na consciência e na ação, na mente e na praxis de cada um de nós. Foi, precisamente, para debater as questões que se prendem com este desafio que a Faculdade de Ciências da Universidade doPorto (FCUP), o Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR) e o Green UPorto organizaram o 1.º Congresso Ibérico sobre Solos e Desenvolvimento Sustentável. Uma iniciativa que envolveu cerca de 200 investigadores, de várias nacionalidades, e cujos contributos podem ser consultados em Solos e Desenvolvimento Sustentável – Desafios e Soluções, a mais recente publicação da U.Porto Press.
A perda de biodiversidade, de matéria orgânica e de fertilidade, a contaminação, a desflorestação e a erosão são alguns dos fenómenos que podem levar à perda dos solos, dos quais depende a nossa sobrevivência. Tudo isto acrescido, claro está, das alterações climáticas. Sendo um sistema vivo complexo, requere uma abordagem multidisciplinar, o que implica um envolvimento da sociedade civil, naturalmente, mas também da comunidade científica e todos os stackeholders envolvidos. Daí que para este 1º Congresso Ibérico sobre Solos e Desenvolvimento Sustentável tenham sido convocados perto de duas centenas de cientistas, estudantes de pós-graduação e especialistas em solos.
Para Ruth Pereira, da Comissão organizadora do Congresso e professora da FCUP, há ainda muito por reformular na avaliação dos riscos tanto no que diz respeito ao uso de pesticidas como na classificação dos solos contaminados.
“Os protocolos padronizados e os ensaios exigidos têm que ser mais representativos das exposições que ocorrem em cenários reais”, nota a docente. Ou seja, serão necessárias avaliações que acompanhem as múltiplas aplicações durante “todas as estações de crescimento”, assim como os respetivos protocolos. Medidas indispensáveis para “perceber a resiliência dos solos, e a sua capacidade de recuperar as funções afetadas”.
A importância da democratização do recurso à tecnologia
Os solos podem também ter um papel relevante na redução das emissões de gases com efeito de estufa, recorda aquela que é também coordenadora da GreeUPorto. “Numa perspetiva de economia circular, muitos são os resíduos orgânicos, identificados hoje em dia, como benéficos para a incorporação de carbono no solo, e para a melhoria das suas propriedades físicas e químicas”. É, no entanto, necessário avaliar a composição química da matéria orgânica desses resíduos, de forma a “garantir que da sua aplicação não irá resultar um aumento das emissões de gases com efeito de estufa e uma maior lixiviação de compostos orgânicos e inorgânicos para os lençóis freáticos, contrariamente ao pretendido”.
No sentido da recuperação dos solos, Ruth Pereira ressalva a importância das contribuições “da biotecnologia e da tecnologia (IoT, Big Data, sensorização)” que, com estratégias inovadoras como “o desenvolvimento de bioestimulantes” e a “avaliação precisa das necessidades nutricionais e de água das culturas”, se poderão traduzir em “grandes benefícios económicos, ambientais e sociais”.
Crucial para a proteção dos solos, acrescenta a docente da FCUP, será “a democratização do uso destas tecnologias, a par com uma melhor abordagem educativa e/ou formativa sobre este recurso natural”. Ou seja, a resposta passará por uma maior “oferta de indicadores de qualidade de solos” que sejam “facilmente mensuráveis por quem trabalha e gere este recurso diariamente”.
Os desafios que enfrentam os solos da península ibérica não são distintos dos desafios de outros pontos do globo: as ações e as políticas serão mais eficazes, quanto mais colaborativa e concertada for a respetiva definição e aplicação.
O livro poderá ser encontrado aqui.