O posicionamento do mercado de vinhos, o volume de produção e os processos de produção “têm um impacto significativo no seu desempenho de sustentabilidade”. A conclusão é de um estudo liderado por investigadores do Laboratório de Engenharia de Processos, Ambiente, Biotecnologia e Energia (LEPABE) da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) e recentemente distinguido pela Comissão Nacional da Organização da Vinha e do Vinho (CNOIV) no âmbito dos Prémios “Distinção CNOIV”, destinados aos melhores trabalhos nacionais de divulgação, experimentação ou investigação nos domínios da viticultura, enologia, economia e direito e nutrição e saúde.
Publicado em 2018, no Journal of Cleaner Production, o trabalho – intitulado “Towards sustainable wine: Comparison of two Portuguese wines” – premiado teve por objetivo avaliar a sustentabilidade no setor do vinho, sobretudo do ponto de vista da indústria, assente sobretudo num conjunto de indicadores intimamente ligados ao ciclo de vida do produto final.
“As últimas décadas testemunharam uma maior consciência dos impactos ambientais das atividades humanas, principalmente o resultado dos atuais padrões de consumo e produção”, afirma Teresa Mata, investigadora do LEPABE/FEUP e uma das orientadoras deste trabalho de investigação, em conjunto com António Augusto Martins também do LEPABE/FEUP.
Com este trabalho foi então possível possível compreender que o posicionamento do mercado de vinhos, o volume de produção e os processos de produção “têm um impacto significativo no seu desempenho de sustentabilidade”, bem como “propor algumas soluções para a melhoria da sustentabilidade do setor”, adianta a investigadora.
Vinho de “terroir” vs vinho “de marca”: que diferenças?
Realizado no âmbito da tese de mestrado de Ana Rita Araújo, finalista do Mestrado Integrado em Engenharia Química, o trabalho foi desenvolvido em ambiente empresarial na SOGRAPE, no âmbito do projeto IJUP-Empresas, e consistiu numa comparação da sustentabilidade de dois vinhos portugueses: um vinho de “Terroir” de elevado valor de mercado, produzido em pequenas quantidades utilizando uvas de uma única vinha na sub-região do Douro Superior; e um vinho de “marca”, mais comercial, valorizado mais pela marca do produtor do que pela ligação à região de origem, com posicionamento de preço mais acessível, produzido em grandes volumes.
O projeto assentou na premissa de que uma definição correta das estratégias e/ou cursos de ação mais adequados para melhorar a sustentabilidade da indústria do vinho deve partir de uma avaliação, o mais objetiva e quantitativa possível, do desempenho de sustentabilidade dos seus produtos e processos.
A análise tomou em conta o ciclo de vida do vinho, desde a viticultura até ao embalamento final, antes da expedição para os pontos de venda aos consumidores. Para uma unidade funcional de 0,75 L (1 garrafa de vinho) foram calculados os valores de vários indicadores ambientais, como por exemplo a contribuição para as alterações climáticas.
Através do estudo, foi possível perceber, por exemplo, que a relevância dos diferentes fases ou processos do ciclo de vida para o desempenho ambiental varia de acordo com o indicador utilizado. Se atendermos aos níveis de intensidade energética, a vinificação é a etapa dominante do ciclo de vida, principalmente devido ao consumo de combustível no transporte e à energia necessária para operar os equipamentos nos lagares onde o vinho é produzido. Embora as emissões de carbono dependam fortemente do consumo de energia, observou-se que foi o engarrafamento a etapa mais relevante, sendo o principal fator o carbono incorporado nas garrafas de vidro.
Já nos indicadores relacionados com os materiais utilizados (intensidade e resíduos sólidos), também a etapa de engarrafamento é mais relevante, em particular para o vinho de “terroir” que utiliza mais produtos enológicos e materiais de embalagem mais pesados.
Para os indicadores relacionados com a água (intensidade e águas residuais), observam-se diferenças significativas entre os dois vinhos, com valores mais elevados obtidos para o vinho de “marca” (mais do dobro) quando comparado com o vinho de “terroir”. Além disso, a fase dominante do ciclo de vida é diferente: a vinificação para o vinho de “marca”, e o engarrafamento para o vinho de “terroir”. Esta situação resulta das ações pré-fermentativas de preparação dos mostos, e do funcionamento constante da sua instalação de engarrafamento que consome grandes volumes de água na operação de enxaguamento das garrafas.
Pelas mesmas razões, as águas residuais do vinho de “marca” são mais do dobro das do vinho de “terroir”. O vinho de “marca” tem a maior contribuição para o lucro global da empresa, mas o vinho de “terroir” registou o maior crescimento nessa contribuição no período de análise considerado.
“O que distingue ambos os vinhos e os valores dos indicadores são as diferenças no processo de produção, em particular na vinificação, um aspeto ainda negligenciado na prática que pode ser relevante em empresas que produzem muitas marcas de vinho com diferenças significativas entre elas”, explica Teresa Mata.
Uma parceria para continuar
Do trabalho resultou ainda um conjunto de propostas para melhorar o desempenho de sustentabilidade de ambos os vinhos, em particular para reduzir os consumos de energia e água.
“O elevado consumo de água para o vinho de ‘marca’ é um ponto quente que se recomendou considerar e que a empresa já está a melhorar, nomeadamente, através do estabelecimento de metas para a redução do consumo específico de água em 25%, e reutilizar pelo menos 20% de reutilização de água reciclada até 2022”, perspetiva a investigadora da FEUP.
Segundo os investigadores da FEUP, esta parceria com a SOGRAPE é para manter, até porque há todo o interesse em avaliar outros produtos e/ou fases do ciclo de vida do setor que não foram alvo de investigação nesta primeira abordagem, como por exemplo a distribuição, o cultivo da vinha, e a vindima. Além disso, serão também estudados os aspetos sociais e culturais, combinados com uma análise mais detalhada dos aspetos económicos.
A SOGRAPE divulgou recentemente no seu novo website os aspetos gerais do seu Programa Global de Sustentabilidade, alinhado com os objetivos de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas e que conta com nove compromissos, três por cada pilar de sustentabilidade: ambiental, económico e social.