Investigadores da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) integram uma equipa internacional que está a estudar um conjunto de novos materiais tridimensionais semelhantes ao grafeno e que poderão vir a ser utilizados em computadores quânticos e sensores.
Trata-se dos semi-metais de Dirac-Weyl, um conjunto de cristais sintéticos produzidos em laboratório com propriedades eletrónicas que podem permitir a sua utilização nos apelidados computadores do futuro. Estes cristais são tridimensionais e apresentam uma característica rara – electrões que se comportam como se não tivessem massa.
“O facto de os electrões se comportarem como se não tivessem massa tem muitas consequências na condutividade elétrica, pois são extremamente bons condutores”, explica João Pedro Pires, investigador e docente da FCUP. Para além disso, acredita-se que estes materiais são mais robustos do que o grafeno e que podem ser insensíveis a condições aleatórias, como a presença de impurezas, o que é determinante do ponto de vista tecnológico.
“Os primeiros estudos teóricos foram feitos assumindo que o cristal era perfeito. A mesma coisa tinha acontecido com o grafeno. Mas, em 2014, pôs-se pela primeira vez em questão se a física dos eletrões mudaria quando os cristais têm imperfeições, tal como se sabe acontecer em amostras reais de grafeno.”, acrescenta.
Em 2019, os investigadores iniciaram este estudo para responder a questões-chave que estavam em disputa na literatura. Imperfeições no cristal transformam este semi-metal num metal convencional? Será que se introduzirmos impurezas, presentes em qualquer amostra real, elas vão destruir as desejáveis características eletrónicas nestes materiais? Os resultados de pesquisas anteriores deram respostas controversas a estas perguntas.
É na Universidade da Flórida Central, onde João Pedro Pires esteve no âmbito do seu doutoramento na FCUP, que estes cristais foram primeiro descobertos e onde se descobriu este conjunto de características. Foi também neste sítio que o estudo teórico foi iniciado.
Os investigadores concluíram que estes semi-metais são de facto instáveis a desordem e que existe uma alteração exponencialmente pequena que os transforma em metais normais na presença de impurezas.
“Descobrimos o mecanismo microscópico que leva a fase semi-metálica dos eletrões a ser destruída pela presença de defeitos. Isto acontece devido à existência de configurações estatisticamente raras, às quais os eletrões se podem ligar em estados localizados no espaço e com energia nula”, conta.
“A questão está agora do lado dos físicos experimentalistas que é se este nível de pequenez do efeito é relevante ou não para inviabilizar que este tipo de materiais possam ser aplicados a novas tecnologias quânticas, que no fundo é o objetivo principal destes materiais”, acrescenta o investigador da FCUP.
Utilização em computadores quânticos e novos sensores
Já se sabe que estes semi-metais não são totalmente insensíveis. Mas em que condições? O futuro da investigação liderada pelos cientistas da FCUP passa agora por estudar o efeito de diferentes modelos de defeitos para “guiar a otimização de produção destes materiais, tendo em consideração possíveis condicionantes na sua aplicação tecnológica”. “Se a principal questão estiver só em impurezas, os investigadores podem utilizar uma sala mais limpa para produzir estes cristais”, exemplifica João Pedro Pires.
“Um dos grandes desafios dos computadores quânticos é ultrapassar a sua grande sensibilidade a condições que nós não controlamos bem, como a temperatura e as impurezas”, explica. O mesmo se aplica a novos tipos de sensores, como sensores de radiação infravermelha ou em componentes de lasers ultra-rápidos, onde a sensibilidade é muito importante. Para além disso, estes semi-metais podem ser usados como componentes de computadores quânticos baseados em eletrões, que poderão ser miniaturizados mais facilmente que os atuais que funcionam com base em fotões (luz).
Este estudo, recentemente publicado na prestigiada revista americana Physical Review Research, teve ainda a liderança do investigador e docente da FCUP, João Viana Lopes. Iniciada em 2019, a investigação integrou também investigadores da Universidade do Minho, University of York (Reino Unido), University of Central Florida (EUA), Universidade de Twente (Holanda) e Universidade de Sabanci-Tulsa (Turquia).
Para este estudo teórico foi fundamental a utilização do software QuantumKITE para simulação eficiente de matéria quântica, desenvolvido em 2018 por João Viana Lopes e Simão Meneses João, ambos investigadores e docentes da FCUP.