Uma revista, um hotel, um livro de receitas e uma casa fruti-vegetariana. Tudo propositadamente para vegetarianos e com origens que remontam ao início do século XX. A história mostra-nos que “ser vegetariano” não é um assunto ‘moderno’ e que já havia vegetarianos há 100 anos em Portugal. E é a sua história que é agora recuperada através da exposição “Pêros, Avelãs e Figos. Os vegetarianos utópicos de há 100 anos”, que estará patente de 21 de novembro a 27 de dezembro, na Galeria da Casa Comum, Reitoria da Universidade do Porto.

Integrada no âmbito do Projeto ALIMENTOPIA / Utopian Foodways, liderado por investigadores do CETAPS (Centre for English, Translation, and Anglo-Portuguese Studies) e do Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa (ILCML), ambos sediados na Faculdade de Letras da U.Porto, esta exposição conduz então os visitantes ao encontro da forte “comunidade utópica e vegetariana” que proliferou em Portugal, e em particular no Porto, no início do século XX.

Alimentando-se à base de frutas, verduras, legumes crus, e desacreditando na medicina tradicional, a maioria destes “primeiros vegetarianos” provinha da média burguesia, industriais, homens de negócio e gente ligada ao exército e ao clero. Adeptos do naturismo, recorriam a várias ferramentas para divulgarem o estilo de vida que adotavam, desde a publicação de uma tabela nutricional de diferentes produtos, a fotografias e retratar a saúde dos adultos e crianças. Nas mensagens, apelavam ao consumo de produtos naturais e repudiavam a carne com fotografias de matança de animais.

Uma história esquecida

Apesar de ter conquistado milhares de seguidores durante os primeiros anos do século passado, o estilo de vida e pensamento político dos vegetarianos e naturistas começou a ser visto como uma ameaça a partir da instauração do Estado-Novo. Este contexto poderá estar na base do “desconhecimento” dos antepassados vegetarianos da nossa memória coletiva.

“É um caso de amnésia coletiva que queremos aqui recuperar: um país cuja identidade cultural se afirma pelas mil maneiras de cozinhar bacalhau, pelo peixe fresco da costa, pelas papas de sarrabulho e pela carne de porco à alentejana, e que recalca a memória de um período da sua história em que um número considerável de indivíduos optou por adotar a dieta vegetariana”, explica Fátima Vieira, Vice-Reitora da U.Porto.

Para recuperar esta história esquecida, os investigadores do Projeto ALIMENTOPIA contaram com a ajuda do jornal O Vegetariano – Mensário Naturista Ilustrado, que, durante 26 anos, se afirmou como o órgão oficial dos adeptos da dieta, procurando promover a divulgação da sua filosofia e modo de vida. Publicado mensalmente, entre 1909 e 1935, este periódico chegou a atingir 3814 subscritores de norte a sul do país, mas também do Brasil, colónias ultramarinas e vários países europeus.

O Vegetariano foi publicado durante 26 anos. Recorria a mensagens e imagens que mostravam a ‘robustez’ e saúde dos vegetarianos. (Foto: DR)

A investigação permitiu ainda traçar o caminho até ao “Grande Hotel Frutí-Vegetariano”, o primeiro hotel para vegetarianos e naturistas – inaugurado no Porto, junto à estação de São Bento, em 1913 -, como parte de uma vasta rede de comércio, hotelaria e de saúde criada propositadamente para a comunidade de norte a sul do país. Sabe-se também que nessa altura, em 1916, foi publicado o livro “Culinária vegetariana, vegetalina e menus frugívoros” com mais de 1200 receitas e fotografias que mostram o “ar saudável” dos vegetarianos.

A família Wiborg, de Lisboa, era conhecida pelo estilo de vida naturista e pelo regime frugívoro imposto aos filhos, com uma alimentação à base de “peros, laranjas, avelãs e figos”.

Exposição patente até ao final do ano

Esta é então apenas parte da história que pode ser descoberta em “Pêros, Avelãs e Figos. Os vegetarianos utópicos de há 100 anos”, através de vários documentos e objetos, nomeadamente páginas do jornal O Vegetariano.

Com entrada livre, a exposição pode ser visitada de segunda a sexta-feira, entre as 10h00 e as 18h00.

Depois do encerramento da exposição, será publicada uma antologia de 60 textos naturalistas a partir do século XVI.

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