De saltar pela janela da Faculdade de Ciências, no edifício dos “Leões”, e a correr pelas ruas para fugir da polícia até à “sensação intensa de poder respirar”. Assim foi, do antes ao depois da Revolução dos Cravos, nas palavras de figuras de relevo da história da FCUP (e não só) que participaram, na tarde do dia 29 de abril, num evento comemorativo no Auditório Ferreira da Silva.

Um regresso ao passado que começou por ser evocado pela Diretora da FCUP. Recordou a jovem Ana Cristina Freire, de 14 anos, na Guiné-Bissau, que hoje, só conseguiu ser a primeira mulher Diretora da FCUP, “porque vivemos em democracia e liberdade.” 

E se assim não fosse, também o Presidente do Conselho de Representantes, Aires Oliva Teles, não poderia expressar a sua opinião. Lembrou um período conturbado pós-revolução: “estivemos prestes a entrar numa situação de ditadura em sinal contrário”. Emancipado, aos 18 anos, pelos pais, tinha consigo um passaporte, para que pudesse sair do país caso a situação se agravasse. 

Já Bruno Cardoso, Presidente da Associação de Estudantes da FCUP, destacou o papel que o movimento estudantil teve no 25 de abril. “Foram os pioneiros da mudança e os arquitetos de um novo amanhã”, sublinhou, reforçando a importância de “honrar” o legado de democracia e liberdade. 

Também o Vice-Reitor para a Ciência e Inovação da U.Porto, Pedro Rodrigues, quis subir ao púlpito e reforçar esta mesma mensagem em nome da Ciência: “Ciência, conhecimento, rigor e capacidade para reflexão: temos que preservar os valores que a FCUP sempre nos trouxe”. 

“Será que vou ter o meu filho em liberdade?”

Num ambiente acolhedor e mais informal, o Pró-Diretor da FCUP para a Ciência & Cultura, António Machiavelo conduziu a conversa e partilha de vivências na primeira de duas mesas-redondas. 

Dias antes do 25 de abril, a vida de Jorge Almeida e António Pereira Leite, professores de Matemática e de Física, respetivamente, já estava agitada e ambos lembraram os dias complicados marcados pelo incêndio que afetou o edifício dos “Leões”. 

E que alterações provocou o 25 de abril na vida e na carreira? Jorge Almeida recordou o período pós-revolucionário: “perturbou profundamente a minha carreira porque não atribuíam bolsas a quem tinha terminado o curso nos últimos três anos.” António Pereira Leite, na altura assistente estagiário na FCUP, descreveu uma cidade que “viveu durante vários dias sem um polícia na rua e não houve problema nenhum”. 

Um pós-25 de abril marcado ainda pela dificuldade de adaptação e pela desconfiança, como descreveu Lourdes Zilhão, a funcionária com mais anos de serviço da Universidade do Porto e que, quando se deu a revolução, estava grávida e trabalhava na FCUP. “Quando saímos para a rua, não sabíamos se deveríamos ou não ir para casa. Lembro-me de pensar: será que vou ter o meu filho em liberdade?”

Teresa Lago, que foi professora na FCUP na área de Astronomia e um dos grandes nomes desta área em Portugal, descreve, por sua vez, “um ambiente de abraços e sorrisos” durante o 25 de abril, algo muito difícil de explicar a quem não viveu. É uma sensação intensa de poder respirar!”. 

Os direitos das mulheres foram um dos temas evidenciados neste evento e, para falar sobre isso, João Monte, professor de Química e Bioquímica e autor de vários livros, trouxe o seu livro da primária e leu uma das primeiras pequenas histórias do livro que falava sobre as donas de casa. “Este livro também poderia chamar-se Deus, Pátria e austeridade”, apontou. 

“A democracia vale tanto quanto a exercemos”

Um tema também destacado na segunda mesa-redonda. “Para mim o 25 de abril foi muito mais importante para as mulheres do que para os homens. As mulheres ganharam as liberdades todas!”, sublinhou Alexandre Quintanilha, que foi professor na FCUP. 

Neste segundo painel de convidados, participou também Maria João Ramos que partilhou a sua experiência antes e depois do 25 de abril. Para fugir à polícia, chegou a saltar por uma das janelas da atual Reitoria e para garantir um futuro, concorreu para um lugar de professora porque as empresas no pós-25 de abril não queriam contratar. “Pensei que podia saltar fora quando quisesse porque não queria, de todo, seguir a vida académica”, conta. Esse salto nunca aconteceu e a sua carreira e percurso falam por si. 

Na mesma altura, a estudar na FCUP, estava Paulo de Morais, também convidado para o painel. Foi dirigente da AEFCUP nos anos 80 e lembrou os tempos “conturbados” vividos numa altura marcada por “clivagens” entre professores de Esquerda e de Direita e por falta de espaço e de salas para tantos estudantes. 

Ainda na perspetiva dos estudantes, Duarte Graça, do mestrado em Física, de cravo ao peito, falou em representação de uma geração: “é tanto uma honra como uma pressão”, comentou. Aproveitou o microfone para alertar para a importância dos jovens se envolverem na democracia: “Vale tanto quanto a exercemos”. 

A representar a cultura no segundo painel, Hugo Gonçalves, autor do livro “Revolução” e um dos argumentistas da série “Rabo de Peixe”, não deixou de salientar as conquistas de abril. “Sem educação e saúde é difícil ser verdadeiramente livre”, sublinhou.

A fechar o evento, de novo o papel da mulher, com poesia, palavras de Sophia de Mello Breyner e Sérgio Godinho, sons da liberdade e música pela voz de Capicua.