Quando comemos chocolate, não é propriamente em morcegos que pensamos. Mas, na verdade, é também graças a eles que o temos. No âmbito do doutoramento em Biodiversidade, Genética e Evolução, da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), Diogo Ferreira estudou o papel dos morcegos no controlo das pragas de insetos nas plantações de cacau em África. 

Apaixonou-se, há 10 anos, por morcegos e, quando surgiu uma oportunidade de liderar uma equipa de investigação para um trabalho de campo nos Camarões, com estes animais, não hesitou. Em 2018, candidatou-se a uma bolsa de doutoramento na Fundação para a Ciência e Tecnologia e começou uma aventura que terminou em fevereiro deste ano com a defesa da sua tese na FCUP. 

“Apesar de todos ouvirmos falar de cacau e amarmos chocolate, a verdade é que sabemos muito pouco sobre o assunto. Por exemplo, poucas pessoas sabem que grande parte do cacau que consumimos, quase 70%, vem de África”, conta o investigador que desenvolveu o seu trabalho em colaboração com o BIOPOLIS/CIBIO-InBIO (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos). 

“As pragas do cacau podem custar à volta de 700 milhões de euros anualmente aos agricultores e, tendo em conta que os morcegos podem consumir até dois terços do seu peso em insetos por noite, o papel que têm nas plantações de cacau pode ser enorme”, salienta. 

Gestão da paisagem e das plantações para ajudar os morcegos a “proteger” o cacau

E foi exatamente o que concluiu. Em dez meses de viagens aos Camarões, estudou as populações de morcegos insetívoros em 38 plantações de cacau. Realizou também, durante um ano, uma experiência de exclusão. O objetivo foi, através de uma rede de pesca à volta de algumas árvores de cacau, bloquear o acesso dos morcegos às árvores. “A ideia era tentar perceber se, quando os morcegos não conseguiam consumir os insetos presentes nestas árvores excluídas, haveria uma quebra na produção dos frutos do cacau devido ao aumento de pragas”.

Num estudo publicado em abril de 2023, apresentou os resultados. “Descobrimos que os morcegos estavam realmente a contribuir para o aumento do número de frutos de cacau, à volta de 450 euros por hectare, e por ano, mas isso só acontecia quando havia plantações com muitas árvores de grande porte a fazer sombra”, conta.

Para além disso, Diogo estudou também o número e a diversidade de espécies de morcegos insetívoros, frugívoros e nectarívoros, montando redes para captura e voltando a libertá-los após a sua identificação. Os resultados sugeriram uma maior diversidade de morcegos insetívoros em plantações com mais sombra e com árvores de sombra de grande porte, e floresta à sua volta. “Como plantações com mais sombra são mais semelhantes às florestas nativas, vão ter mais insetívoros e portanto maior potencial para suprimir pragas”, destaca.

Num estudo publicado em abril de 2023, apresentou os resultados. “Descobrimos que os morcegos estavam realmente a contribuir para o aumento do número de frutos de cacau, à volta de 450 euros por hectare, e por ano, mas isso só acontecia quando havia plantações com muitas árvores de grande porte a fazer sombra”, conta.

Decidiu, assim, adicionar à sua tese sugestões para a gestão das plantações de cacau para serem “bat-friendly”. “Propus medidas de gestão para tentar maximizar a diversidade de morcegos e os serviços de supressão de pragas que eles efetuam nas plantações”. E é por aqui que devem seguir os próximos passos de Diogo Ferreira após a conclusão da sua tese. Diogo quer testar, por exemplo, alternativas a árvores de grande porte para fazer sombra, como “a construção de abrigos artificiais onde os morcegos possam dormir durante o dia”. 

Certificados bat-friendly e ações para ajudar os agricultores

Tendo convivido com os agricultores e com a realidade de quem vive das plantações de cacau, Diogo conheceu de perto a importância dos morcegos e também o impacto das escolhas do consumidor. Regressou a Portugal com um sonho: “estabelecer um certificado Bat-Friendly para conseguir preços melhores para o cacau vendido por estes agricultores e assim reconhecer todo o sacrifício que eles têm que fazer para manter estas plantações sustentáveis”. Segundo o investigador, “os agricultores de cacau recebem uma pequena fração do preço dos chocolates: apenas entre 3% e 6% do valor final”. Defende, por isso, que tenham acesso a preços premium que considerem uma margem maior de lucro, uma realidade que só é possível através da certificação do cacau.

Enquanto o sonho não se realiza, deixa um apelo aos apreciadores de chocolate. “Todos nós podemos tentar comprar chocolate certificado que seja feito com comércio justo (fair-trade), e que mostre rastreabilidade e transparência em todas as etapas. Assim podemos aproveitar o chocolate na sua plenitude”, defende.