Exposição “O Tesouro” de Manuel António Pina no tempo eterno de abril

Ter27Fev(Fev 27)23:02Dom31Mar(Mar 31)23:02Exposição “O Tesouro” de Manuel António Pina no tempo eterno de abrilHall FPCEUP(Fevereiro 27) 23:02 - (Março 31) 23:02(GMT+00:00)

Detalhes

O trabalho que agora partilhamos convosco, sob autorização da Sociedade Portuguesa de Autores, é “O Tesouro”, destacado entre os tesouros com que Manuel António Pina nos foi presenteando. A razão deste destaque emerge da sua relação com a Revolução dos Cravos, 25 de abril de 1974, há precisamente, cinquenta anos. A obra foi elaborada com o “alto patrocínio de sua excelência o senhor presidente da República portuguesa”, à data o Dr. Mário Soares, que desafiou o Pina para a criação do texto.

Sendo a primeira edição de “O Tesouro”, de 1993, reproduzimos aqui, em grande formato, a segunda edição, sem data. Este opúsculo, com cerca de 15 páginas, é uma grande obra que, surgindo frequentemente classificada entre os escritos infantojuvenis permite, no entanto, uma leitura profunda por parte de qualquer pessoa que queira mergulhar na compreensão do que foi (e poderia ser) abril. Um texto aparentemente simples, profunda e politicamente implicado com a democracia. Uma democracia que precisamos de reinventar e reforçar, nos tempos conturbados que constituem os nossos dias.

Começando por vos apresentar o autor, lembro-me do Pina, como as pessoas mais próximas lhe chamavam, como uma figura doce e delicada, cujo sentido de humor, às vezes, desconcertante, e sempre presente, nos surpreendia permanentemente. Lembro-me também da forma humilde com que se admirava com a admiração que despoletava em todos nós, referindo-se a si mesmo como pessoa que talvez não merecesse a nossa atenção e carinho. Um dia, ofereceu-nos um livro dedicado ao casal e assinado com uma patita de gato, como tantas vezes fazia, “Agora já não se podem separar”! Partilhamos uma deliciosa gargalhada.

Penso que, pela sua natureza revolucionária e radical, no verdadeiro sentido de ambas as palavras, o Pina não gostaria de uma apresentação formal, daí ter começado pelos afetos. Procuro, em seguida, apresentar-vos este escritor e jornalista, cujo pensamento transformador era expresso nos seus contos e nas suas muitas publicações, principalmente no Jornal de Notícias, com o qual colaborou durante três décadas, enquanto jornalista, tendo continuado como cronista do mesmo jornal e na sua revista Lembro-me que aquando da sua morte, no espaço dedicado, na última página do Notícias, à sua crónica semanal, onde O PINA provocava controvérsia sobre assuntos quentes do quotidiano, alguém escreveu “Aqui ninguém OPINA”. Fiquei sensibilizada com a delicadeza e o humor deste gesto, que provavelmente lhe teria agradado.

Falando de forma breve acerca de uma vida que sendo curta terá sido também intensa, partilho aqui a informação mais pública sobre o autor, recusando o risco da invasão da sua privacidade, que muito respeito, e que uma biografia mais ‘íntima’ pode correr.

O Pina nasceu no Sabugal, em 18 de novembro de 1943, tendo vindo a falecer aqui no Porto, em 19 de outubro de 2012, cidade onde se radicou ainda na juventude. Penso que enquanto mantivermos viva a sua memória – o que não é difícil face ao amplo espólio bibliográfico de que somos todos herdeiros e herdeiras, e à recordação de muitos momentos que alguns e algumas de nós tivemos a oportunidade de partilhar com ele – manteremos também viva a sua capacidade de falar a brincar sobre coisas sérias, jogando com a harmonia e a desarmonia das palavras e dos textos, transformando vidas.

O reconhecimento da sua obra, resultou na atribuição de vários prémios de que destaco, o primeiro, atribuído já em 1978 “Prémio de Poesia da Casa da Imprensa”, e o último atribuído, a título póstumo, em 2012, o Prémio Teixeira de Pascoaes. Refira-se ainda que em 2005 é feito Comendador da Ordem do Infante D. Henrique.

Curiosamente, tendo tirado uma licenciatura em direito, pela Universidade de Coimbra, o Pina dedicou-se à intervenção pública, não a partir da retórica e da argumentação que associamos a esse campo da vida social, mas, particularmente, a partir da poesia e da literatura infantojuvenil, tendo também explorado a escrita de peças de teatro, de obras de ficção e de crónicas. Algum desse trabalho foi adaptado ao cinema e à televisão e mesmo editado em disco. O Teatro da Vilarinha, em particular, com o qual o autor tinha uma profunda ligação, levou a cena vários dos seus textos, enquanto escritor residente. Para além disso, a sua obra foi traduzida e difundida em vários países da Europa.

Entre 1974 – ano da revolução de abril – e 2012, publicou um número amplo de obras poéticas, a primeira “Ainda não é o fim nem o princípio do mundo calma é apenas um pouco tarde”, e a última “Todas as palavras: Poesia reunida”. No que diz respeito à literatura infantojuvenil, o Pina publicou, em 1973, a obra “O país das pessoas de pernas para o ar”, tomado por muitas escolas como objeto de estudo, e estímulo à leitura e escrita por parte das pessoas jovens, seguindo-se outras como Gigões e Anantes, em 1978, sendo que a última se reporta ao ano 2009, intitulando-se O cavalinho de pau do Menino Jesus e outros contos de Natal. Obras com que vai questionando e revolucionando o status quo.

Desafiamos-vos, então, a parar, respirar e caminhar lentamente por esta obra, que nos permite continuar a sonhar abril, cinquenta anos depois.

Eunice Macedo, 2024

 

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