Uma inovadora investigação do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) concluiu que as vacinas antialérgicas são custo-efetivas no tratamento de crianças com asma alérgica aos ácaros. O estudo, recentemente publicado na revista Allergy, demonstrou que esta terapêutica, também conhecida como imunoterapia, é especialmente custo-efetiva quando administrada por via subcutânea (injeção).

Dada a importância e considerando a escassez de estudos que avaliem a custo-efetividade da imunoterapia em crianças com asma alérgica aos ácaros, os investigadores procuraram comparar a custo-efetividade da imunoterapia administrada por via subcutânea ou sublingual (através de comprimidos), com a custo-efetividade do tratamento standard/sintomático.

“Este estudo é essencial para promover futuras decisões clínicas e políticas a respeito dos hábitos de prescrição da imunoterapia como forma de aumentar a aderência a este tipo de tratamento” afirma Mariana Farraia, primeira autora do estudo e investigadora do ISPUP, no laboratório Epidemiologia das doenças alérgicas, pertencente ao Laboratório associado para a Investigação Integrativa e Translacional em Saúde Populacional (ITR), coordenado pelo Instituto.

Asma alérgica afeta cerca de 7% dos portugueses

A asma é uma doença crónica cuja prevalência tem vindo a aumentar nos últimos anos. Em Portugal, estima-se que a asma alérgica afete a qualidade de vida, a produtividade e os custos com cuidados de saúde de 6.8% dos indivíduos (7.2% se restringirmos à população pediátrica).

Na população pediátrica, a asma é a doença crónica mais comum e a sensibilização a alergénios como os ácaros, encontrados no pó das casas e nos têxteis, está presente em mais de 80% dos casos.

Segundo as guidelines da Global Iniciative for Asthma (GINA), o tratamento da asma é por norma sintomático, isto é, são prescritos fármacos aos pacientes, como por exemplo corticoides inalados ou broncodilatadores, para tratar os sintomas da doença. Contudo, em casos de asma leve ou moderada em que os indivíduos não estejam a obter um controlo eficaz da doença são-lhes propostas as vacinas antialérgicas.

Conforme consta num estudo anteriormente realizado no ISPUP, as vacinas antialérgicas têm efeitos modificadores da doença asmática e aumentam a tolerância imunitária aos alergénios o que pode proporcionar benefícios prolongados.

As crianças são um grupo-chave para esta análise uma vez que existe a hipótese de os benefícios desta solução terapêutica perdurarem a longo-prazo.

Gradualidade do tratamento permitiu reduzir  custos e aumentar os benefícios

Para averiguar se a imunoterapia a alergénios seria, de facto, custo-efetiva no tratamento de crianças com asma alérgica aos ácaros, os investigadores desenvolveram um modelo hipotético baseado num modelo de Markov.

Basearam-se em três estratégias de tratamento propostas nas guidelines da GINA – a imunoterapia subcutânea, a imunoterapia sublingual e o tratamento standard – e avaliaram os dados de três coortes hipotéticas de 1000 crianças de 12 anos que sofriam com asma provocada por alergénios, ao longo de um período de 10 anos. Este período temporal estava dividido em avaliações clínicas semestrais seguindo a perspetiva do Sistema Nacional de Saúde Português.

Recorrendo a ensaios clínicos e a estudos de evidência do mundo real, a equipa do ISPUP conseguiu analisar os custos e os benefícios de cada uma das três abordagens e perceber se existia uma relação positiva entre o custo do tratamento e os seus efeitos em termos de saúde.

De notar que a imunoterapia foi inserida gradualmente no tratamento das crianças com asma alérgica aos ácaros. Ao mesmo tempo que estas se encontravam a realizar o tratamento convencional com fármacos, as vacinas antialérgicas foram administradas por via subcutânea ou sublingual. Com isto, o objetivo era completar o tratamento da imunoterapia (3 anos) e, ao mesmo tempo, avaliar a diminuição progressiva do tratamento sintomático.

Esta abordagem permitiu simular os diferentes estados de saúde que os doentes atravessariam durante o tratamento. Verificou-se que o estado de saúde das crianças ia  melhorando ao longo do tempo, e que a probabilidade de remissão da doença aumentava se a imunoterapia fosse administrada por pelo menos três anos.

“Uma das consequências desta patologia crónica são as exacerbações moderadas ou severas que resultam em visitas às emergências e em hospitalizações”, informa Mariana Farraia. E acrescenta: “Com a introdução do tratamento de imunoterapia verificamos uma diminuição considerável destas exacerbações”.

Desta forma, apesar de as vacinas antialérgicas serem mais dispendiosas do que o tratamento convencional, acabam por ser vantajosas e benéficas, por conduzirem a uma diminuição gradual no uso de medicação sintomática e por reduzirem as exacerbações.

Os efeitos da imunoterapia permitem ainda que as crianças tenham uma maior qualidade de vida, nomeadamente ao nível da produtividade escolar.

Imunoterapia subcutânea pode ser 99% custo-efetiva

Os investigadores concluíram que a imunoterapia administrada por via subcutânea (injeção) permitia a redução de 1898 das exacerbações moderadas e de 45 das exacerbações severas. Já com a imunoterapia sublingual previu-se a redução de 764 das exacerbações moderadas e de 19 das severas.

No geral, em termos da redução dos gastos com medicação para a asma e com visitas médicas, as estratégias subcutânea e sublingual permitiriam poupar mais de 430 mil euros e 150 mil euros, respetivamente, sendo ambas custo-efetivas.

Ao comparar a administração das vacinas antialérgicas (subcutâneas ou sublinguais) com o tratamento convencional sintomático, verificou-se que a imunoterapia subcutânea era a que apresentava maior probabilidade de custo-efetividade, atingindo valores de 99%, não só pelo facto de o seu custo de aquisição ser mais baixo, mas também porque parecia ter mais benefícios.

Mais ainda, durante o período de 10 anos considerado neste estudo, estimou-se que 79 crianças poderiam experienciar a remissão da asma através do tratamento convencional, 233 sentiriam estes benefícios com a imunoterapia subcutânea e 128 com a sublingual.

Desigualdades no acesso às vacinas antialérgicas

Em Portugal, a imunoterapia é uma terapia dispendiosa e não comparticipada, o que se traduz em baixas taxas de aderência ao tratamento e evidencia as desigualdades no acesso a cuidados de saúde terapêuticos.

Segundo Mariana Farraia, “este estudo pretende contribuir para ajudar a tomar melhores decisões políticas no seio do Sistema Nacional de Saúde. Com isto, visa-se também chamar a atenção para a importância de diminuir as desigualdades no acesso a esta terapia e melhorar globalmente a gestão da doença alérgica, neste caso específico de asma alérgica na população pediátrica, na qual é mais prevalente”, destaca a investigadora.

Considerando os resultados de custo-efetividade da imunoterapia em crianças, nomeadamente o método subcutâneo, os investigadores sugerem o benefício de comparticipar este tipo de tratamentos para assim “diminuir as desigualdades no acesso à saúde, e com isso melhorar a qualidade de vida das crianças com asma”, acrescenta.

Os investigadores envolvidos destacaram a natureza pioneira deste estudo, o primeiro em Portugal a avaliar a custo-efetividade da imunoterapia no tratamento de crianças com asma alérgica aos ácaros.

Este estudo intitula-se “Cost-effectiveness analysis of house dust mite allergen immunotherapy in children with allergic asthma”, e é também assinado por Inês Paciência, Francisca Castro Mendes, João Cavaleiro Rufo, André Moreira, investigadores do ISPUP no Laboratório associado para Investigação Integrativa e Translacional em Saúde Populacional (ITR) e por Mohamed H. Shamji (National Heart and Lung Institute, Imperial College London, London, UKImperial College London) e Ioana Agache (Faculty of Medicine, Transylvania, University, Brasov, Romania).

A investigação faz parte do projeto de doutoramento da investigadora Mariana Farraia e foi financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).