Utilizar um computador ligado à internet para identificar genes é uma tarefa comum em laboratórios de investigação, mas também acessível à comunidade escolar. Tão acessível que investigadores da Universidade do Porto levaram às escolas ferramentas da bioinformática e desafiaram os alunos a vestir a pele de cientistas.

Os resultados estão à vista num estudo que envolveu as faculdades de Ciências (FCUP) e de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP), o Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO-InBIO) e o Museu de História Natural e Ciência da Universidade do Porto (MHNC-UP) e que demonstrou que o uso de ferramentas de bioinformática em sala de aula ajuda a desenvolver as competências científicas e digitais dos alunos durante a aprendizagem dos conteúdos curriculares.

“Neste trabalho, propusemos protocolos de exercícios para o 3º ciclo do ensino básico e ensino secundário para instruir os alunos a utilizar recursos bioinformáticos disponíveis online, de livre acesso”, começa por explicar a primeira autora do estudo, Ana Sofia Martins, investigadora no Departamento de Biologia da FCUP e do CIBIO-InBIO.

Com a colaboração dos professores, os investigadores envolveram 387 alunos do ensino secundário de cinco escolas do Porto e de Lisboa em laboratórios de bioinformática para resolver estudos de caso.

“Pedimos que encontrassem um gene específico: o chamado gene lacI responsável pela repressão do operão lac que contém os genes envolvidos no metabolismo da lactose em bactérias”, exemplifica a investigadora. Para isso, tiveram, em primeiro lugar, de obter, através de uma base de dados online, o genoma de uma bactéria e depois desconstruí-lo nos diferentes genes que o constituem.

“Depois da intervenção, os alunos revelaram ser capazes de enumerar as ferramentas bioinformáticas a utilizar para identificar genes numa sequência genómica e, mais importante ainda, clarificaram conceções alternativas relacionadas com a genómica”, descreve.

Os investigadores concluíram que o uso das ferramentas de bioinformática beneficiou a capacidade de os alunos perceberem a importância das análises computacionais em áreas tão distintas como a caracterização da diversidade biológica, a identificação de mutações genéticas associadas a doenças, e o desenvolvimento de novos fármacos.

Uma melhor compreensão de conceitos-chave

No estudo intitulado Bioinformatics-based activities in high school: Fostering students’ literacy, interest and attitudes on gene regulation, genomics and evolution”, recentemente publicado na revista Frontiers in Microbiology, os autores descrevem igualmente como os exercícios de bioinformática executados pelos alunos para abordar estudos de caso permitiram uma melhor compreensão de conceitos-chave como a estrutura de um gene, mas também a introdução de novos conceitos no âmbito da genómica comparativa.

A bioinformática é uma disciplina transdisciplinar que envolve a Estatística, a Biologia, a Matemática e a Informática por forma a armazenar, organizar e analisar bases de dados genómicos de dimensões consideráveis com vista a dar-lhe um sentido, por exemplo, uma interpretação de acordo com a perspetiva biológica.

Apesar de esta área científica assumir um papel fundamental em investigação nos dias de hoje, de acordo com os investigadores a sua integração em contextos de ensino pré-universitário está ainda longe de ser uma prática pedagógica integrada, nomeadamente em Portugal.

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Os exercícios permitiram uma melhor compreensão de conceitos-chave como a estrutura de um gene, mas também a introdução de novos conceitos no âmbito da genómica comparativa. (Foto: DR)

A equipa de investigadores da U.Porto deu assim os primeiros passos para esta integração. “Defendemos que o investimento na atualização dos currículos escolares, devidamente complementado com formação dos professores, deve ser orientado por estudos que caracterizem as potencialidades de incorporar determinadas temáticas e ferramentas, usadas em investigação, na aprendizagem dos alunos”, salienta Fernando Tavares, docente da FCUP e investigador do CIBIO-InBIO.

Recursos disponíveis online 

Este estudo foi pioneiro pela adequação da bioinformática ao 3º ciclo do ensino básico e ao ensino secundário, mas também por contar com o constante feedback de 11 professores envolvidos na iniciativa, e pela incidência sobre aplicações bioinformáticas intuitivas e de livre acesso e que podem ir de encontro aos conteúdos do currículo nacional para as ciências.

Os recursos desenvolvidos pelos investigadores estão disponíveis numa página web destinada a professores do ensino básico e secundário.

No futuro, os investigadores pretendem desenvolver novos laboratórios de bioinformática com outros tópicos curriculares e também trabalhar nesta área com alunos do 3º ciclo do ensino básico. A formação de professores será também uma prioridade.

A investigação foi  financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) através da bolsa de doutoramento SFRH/BD/112038/2015 e por fundos nacionais através da FCT no âmbito do projeto UIDB/50027/2020.