Já pensou em escrever uma biografia? Então… “Venha aprender a trabalhar o género biográfico a partir da sua aproximação interdisciplinar à história, ao jornalismo e à literatura”! É este o mote do workshop “Investigação e escrita criativas para grandes narrativas de não-ficção” que a Universidade do Porto vai promover de 7 de outubro a 29 de novembro. O trabalho vencedor será editado pela U.Porto Press, no âmbito das comemorações dos 110 anos da U.Porto.

Para ajudar a aguçar técnica e engenho, o workshop será conduzido pelo escritor brasileiro Lira Neto, vencedor por quatro vezes do Prémio Jabuti de Literatura (o mais tradicional galardão do mercado editorial brasileiro) na categoria de Biografia.

Entre outras obras no género biográfico, Lira Neto escreveu a trilogia Getúlio (sobre o ex-presidente Getúlio Vargas), que já vendeu mais de 200 mil exemplares no Brasil, e lançou este ano Arrancados da Terra, um livro sobre a saga sefardita ditada pela Inquisição que expulsou os judeus da Península Ibérica para a Holanda e, posteriormente, para o Brasil e Nova York.

Na fronteira entre jornalismo, história e literatura

As aulas (teóricas e práticas) vão abordar a biografia “como género interdisciplinar, na fronteira entre jornalismo, história e literatura, com todas as suas especificidades e intercessões”. Para além da criatividade da escrita, o escritor pretende chamar a atenção para a criatividade na investigação, daí o recurso à expressão “investigação e escrita criativas, assim mesmo, no plural”.

Lira Neto sublinha que, durante o processo de investigação, “somos confrontados com descobertas e indagações que não estavam dadas à partida”. Se algumas hipóteses se revelam infundadas, outras podem abrir novos caminhos e trazer revelações, como aconteceu com Arrancados da Terra, livro que considera ser uma biografia coletiva.

“Fui surpreendido pela constatação de que no meu sangue e nos meus ossos existe uma porção considerável do drama dos cristãos novos e refugiados sefarditas que buscaram, no Brasil, a utopia de uma Jerusalém dos Trópicos”. A montante destas revelações está sempre um trabalho de investigação e pesquisa que, neste caso, passou pelos registos da Torre do Tombo, do Arquivo Ultramarino e dos arquivos das cidades de Amsterdão e de Nova York, em busca de documentos do Século XVII que permitissem aprofundar a investigação prévia que havia feito quando ainda morava no Brasil”.

Imaginação não substitui investigação

A arte da biografia submete-se ao “rigor no trato com as fontes históricas” e procura “uma legibilidade e limpidez na exposição”, promovendo um estilo que não se deixa “aprisionar pelas convenções da escrita académica”. Não se trata, assim, de um romance, já que “a imaginação do autor não pode substituir as lacunas da investigação”, haverá antes uma espécie de pacto, entre o biógrafo e o leitor, que deverá, inclusivamente, revelar eventuais omissões documentais.

De resto, Lira Neto considera que a biografia se tem vindo a afirmar, cada vez mais, “como uma forma legítima de escrita da história”, já que através da investigação “é possível estabelecer um jogo de escalas entre a micro e a macro-história, o singular e o coletivo, o indivíduo e a sociedade, a vida privada e a esfera pública, as subjetividades e as grandes estruturas”.

Em permanente evolução, o conhecimento histórico é feito “a partir das questões que o presente lança ao passado”, diz-nos o escritor. Daí não ser possível falar-se de “biografias definitivas”. Sabemos que “determinados discursos foram sendo construídos ao longo do tempo”, estabelecendo certas “verdades” e edificando “mitologias políticas” . E a História pode, efetivamente, no mínimo, lançar alguma luz sobre “as raízes da intolerância, as matrizes do preconceito e as origens do extremismo”.

A biografia procura então investigar “aspetos da vida privada e quotidiana para tentar reconstruir, com a maior riqueza possível de detalhes, os diversos cenários nos quais os personagens históricos se movimentaram”. Ou seja, “o que comiam? Como trajavam? O que pensavam? Que paisagens viam? Que cheiros sentiam?” Detalhes que transportam o leitor “para dentro da narrativa”, sublinha Lira Neto.

O que poderá, então, despoletar o interesse, ou ser a ponta que leva ao emaranhado da história? Uma personagem? Um acontecimento? Um período temporal em específico? De modo isolado ou em conjunto, diz o escritor, todas as possibilidades “podem suscitar o interesse por um tema de investigação”, sublinhando que, “nem sempre o desejo inicial leva ao resultado final”. No caso do Arrancados da terra, por exemplo, o interesse inicial era o conde Maurício de Nassau, governante do chamado “Brasil holandês”, mas “o mergulho nos documentos” acabou por originar desvios “que conduziram à história dos judeus portugueses que, refugiados da Inquisição em Amesterdão, chegaram aos trópicos aquando da ocupação neerlandesa das capitanias açucareiras do Brasil”.

Trabalho vencedor será editado pela U.Porto Press

Durante o workshop, espera-se que os participantes produzam um projeto de biografia que deverá ser apresentado nos últimos dias de aula e desenvolvido posteriormente.

O melhor projeto será editado pela U.Porto Press, no âmbito das comemorações dos 110 anos da U.Porto, e Lira Neto irá acompanhar o trabalho do autor durante a realização da obra.

Este workshop sobre a arte da biografia é um projeto da Casa Comum, terá a duração de 30 horas e vai decorrer no Edifício Histórico da Universidade do Porto (Reitoria), em modo presencial, às segundas e quintas-feiras, das 17h30 às 19h30.

A participação tem um custo associado de 30 euros para estudantes e restante comunidade U.Porto e 50 euros para o público em geral. Os interessados devem enviar uma carta de motivação para [email protected]